quinta-feira, junho 07, 2007

Do Mersault de Albert Camus à Macabéa de Clarice Lispector


De um lado, um homem que se encontra distante e diferente de seu próprio mundo, é o estrangeiro da própria vida. Do outro, uma mulher perdida em seu universo, estranha para todos que a conhece, o oposto da existência humana. Conhecido como Mersault e chamada de Macabéa são pela primeira vez protagonistas, personagens de grandes obras, uma de Albert Camus e outra de Clarice Lispector.
Mersault é um homem comum, trabalhador, mora sozinho e vive numa pequena cidade. Ao mesmo tempo o contrário, é totalmente incomum, parece não ter sentimentos, não traça grandes laços afetivos, é extremamente fechado, e não tem objetivos em sua vida. Macabéa, nordestina brasileira, mudou-se com a tia para o Rio de Janeiro e divide o quarto com mais quatro mulheres. É uma moça que só sabe respirar, chega ser engraçado pensar que é um ser humano, pois é a inexistência de desejos, é a falta da consciência. Não almeja, não sofre, é o nada em carne e osso.
Ambos são coadjuvantes da própria história, não sabem os motivos de suas existências, e nem se interessam em saber. São produtos de uma era, os retratos do vazio de nossa civilização, alienada e assolada pela disputa, pela manipulação das massas, e pela competição. Vivem na escassez de anseios, na miséria do cotidiano e sentem fome de vida.
Nos enredos, enquanto todos admiram a ausência de lágrimas de Mersault na morte de sua mãe, os leitores de A Hora da Estrela se indagam pela indiferença de Macabéa quando seu namorado a deixa por estar interessado na sua amiga. Mersault é um criminoso homicida, mata um homem sem ter motivos e não se culpa por isso. Às vezes se vê como tal, mas é tão irrelevante para ele que não perde seu tempo pensando nisso. Macabéa é assassina da própria vida, não pensa, esquece de si mesma, é uma suicida que não quer morrer.
Mersault não pensava em ninguém, só em alguns momentos na Maria, talvez por um instinto biológico, para fartar uma necessidade física. Macabéa ficou moça tarde, “Porque até no capim vagabundo há desejo de sol” (Clarice Lispector). Pensava em sexo quando ia dormir, no entanto, sentia-se culpada depois.
Assim levam suas histórias, na prisão, o personagem de Camus passa seu tempo observando as paredes, repara em cada detalhe, a cor, os defeitos, as manchas e não se incomoda com a situação. Macabéa vai deitar-se com fome, e para se saciar come pedaços de papel. Certa vez, passa mal por tomar um café cheio de açúcar, havia colocado muito para aproveitar.
Não sabem o que é viver, estão num mundo que não os pertence, e nem os aceita como parte de um universo. Estão além das margens, localizam-se do lado de fora. É fato, serão condenados a saírem dessa condição vegetativa.
Para os dois, resta somente à morte, a esperança de um nascimento, de uma vida. Deixarão o status de estrangeiros para serem os protagonistas da própria existência. Mersault, preso por homicídio, será sentenciado a pena de morte. Macabéa morrerá em posição fetal, após ser atropelada.



Fábio Ortolano, 07 de junho de 2007