quarta-feira, novembro 09, 2011

SOBRE OS ACONTECIMENTOS NA USP

Caro leitor, confesso que em meio a tantas opiniões chego à certeza de que as pessoas não estão falando da mesma coisa. Aliás, não é para menos. Um fato pôs em discurso inúmeros questionamentos a beira de uma explosão. Alguns ensaiam dar as respostas para que, posteriormente, venha confortar o ponto final.
Contudo, para nossa felicidade ou infelicidade, dependendo da ótica que olhamos, a experiência e história humana jamais terão uma pontuação que as limite no tempo, tudo é processo. Assim, não me preocupo em saber quem está certo, meu esforço nesse artigo é refletir quais são esses questionamentos que estão nos vindo à tona.
Faço isso, pois acredito que ninguém que luta por uma causa, seja nos moldes que for, deva ser tratado como vândalo ou delinqüente, por que acredito, também, que um coletivo, em hipótese alguma, pode esquecer-se de que suas bandeiras não devem limitar-se a benefícios em que apenas seus pares sejam beneficiados.
Em pauta nas discussões sobre os acontecimentos da USP vejo posicionamentos em relação ao controle do Estado, ao acesso nas universidades públicas, à concepção de crime para o uso da maconha, à gestão do movimento estudantil na atualidade.
A respeito do controle do Estado e a partir da força policial, penso que cada comunidade deve escolher a forma como quer ser organizada. O argumento de que o policiamento é necessário cai por terra se compararmos o índice de criminalidade e violência na universidade e fora dela.
Não se trata de uma visão simplista pelo desejo de um "baseado", e sim um direito de liberdade, inclusive, de ser responsável por suas próprias escolhas. A maconha sempre existiu nos contextos universitários e em muitas culturas ela é utilizada, mas diante de um cenário conservador ela é vista como um pecado para que os pecadores sejam julgados. Bem, há de se considerar que, por ser ilegal, movimenta um mercado paralelo oneroso a toda a sociedade, entretanto, o comércio legalizado também me assusta, considerando o poder que a indústria farmacêutica tem hoje na sociedade brasileira.  Temos que refletir.
Outro ponto, é que não querer identificar-se como indivíduo é também mostrar-se como um coletivo, uma força conjunta. Não só os estudantes não quiseram se identificar, os agentes da Polícia Militar também não estavam identificados, como deveriam estar.
Com relação ao acesso, é certo que o burguês tem mais chances de entrar hoje numa universidade pública, haja vista o descaso crônico com a educação fundamental e ensino médio por parte de governantes como Geraldo Alckmin que por anos esteve à frente do governo do estado e hoje manda a PM na USP. Por outro lado é bom deixar claro que muitos alunos de baixa renda, de diversas partes do país e extratos sociais estudam nas inúmeras universidades públicas Brasil afora, tal como na Universidade de São Paulo. Às vezes me parece que afirmar ser a USP um espaço da elite é reforçar um poder de classe, como se fosse uma comunidade homogênea, uma casta superior. Não é!
Será mesmo o burguês que, sem ter o que fazer e sustentado pelos pais, procura um movimento sem causa? Podemos resumir assim? Nos meus anos de graduação não via esses “playboyzinhos” preocupados com isso não, aliás, muito pelo contrário, por suas condições mantinham-se em posição de conforto, não participavam de assembléias, raramente se dedicavam às programações de interesse público e coletivo e pouco se importavam com as transformações na universidade e suas responsabilidades frente à sociedade que a mantém. Apenas preenchiam seus currículos acadêmicos para ostentar o título de sua profissão e universidade, como uma marca. Não é a toa que as faculdades e Institutos da USP com os cursos mais concorridos, onde certamente concentram os tais filhos de papai, são sempre os últimos a aderirem um movimento.
O fato, como bem posiciona Clara Roman, na Carta Capital, é que o movimento estudantil, dividido em tribos enfrenta radicalismos. A comunicação dentro da própria comunidade está difícil, um reflexo da sociedade de hoje, do individualismo, da despolitização, da falta de interesse pelo coletivo, pelo público. Uma conjuntura social prisioneira de uma crítica pontual.

quarta-feira, outubro 26, 2011

Gruta Dainese - Pelo direito à memoria

Lembro-me como se fosse ontem quando eu e meu irmão gêmeo passávamos as tardes no bairro vizinho ao que fomos criados, ficávamos na casa de uma senhora, a Dona Perpétua, que nos cuidou por nove anos enquanto minha mãe trabalhava. Saíamos quase todas as manhãs da Vila Dainese rumo ao São Roque, primeiro para ir à creche, depois ao parquinho e anos mais tarde para freqüentar a quarta série do ensino fundamental na escola estadual Marcelino Tombi.
São tantas lembranças de infância, como as brincadeiras de rua, as travessuras em meio às árvores e aos grandes, diria gigantescos para época, canos de uma futura obra pública de saneamento no bairro. Não me esqueço quando num entardecer uma cobra surgiu no terreno da casa do nosso amigo Renan. Foi um rebuliço na rua, vizinhos correndo para ver a rastejante que nos parecia uma coral, de listras vermelhas, brancas e pretas. Com sucesso o avô do nosso amigo conseguiu se livrar no animal peçonhento.
Provavelmente, como todos diziam, vinha ela – a cobra - do buracão. Assim era conhecida a região da Gruta Dainese. A ausência de uma identidade para aquele local o transformava num simples orifício que rasgava a terra e corria uma nascente. E de lá surgiam também diversos causos alimentados pela garotada e até pelos idosos. Uma de um gado que teria escorregado em uma das quedas d’água de lá, outra que um garoto ao brincar de trampolim caíra na pequena represa que se formava entre as pedras, mas que nada havia acontecido.
A última vez que estive lá foi nesse ano mesmo, junto a um amigo que mora ao lado da gruta. Eu que sempre fui apaixonado por aquele lugar, não me esqueço de uma frase que ele me disse nesse passeio: “Nossa, tinha até me esquecido como aqui é bonito”. E penso o quão triste é saber que até as pessoas que amam aquele local, porque sei que ele compartilha desse sentimento comigo, esquecem de alguma forma que ele existe.
Daí, entendo que isso se dá por essa desconstrução de identidade local, por exemplo, ao chamarmos de buracão, algo tão genérico que se perde perante o simples significado de todas as coisas que classificamos como um furo, uma abertura. Não é como falar do Jardim Botânico ou do Zoológico Municipal que estão, na medida do possível, preservados. Pelo menos os moradores dos nobres bairros que estão no seu entorno não reclamam. Entende o que quero dizer, caro leitor?
Trata-se de um silêncio público, sobretudo de nossos gestores que transformam a gruta nesse buracão. E para os colegas munícipes que não conhecem tal local eu descrevo-o em apenas algumas palavras. A Gruta Dainese trata-se de uma das maiores, se não a maior área natural de Americana, possui três quedas d’águas, uma delas de 18m de altura, paredões de pedra, bromélias, samambaias, e outras espécies vegetais de mata atlântica. Quando eu mostro algumas fotos que tirei esse ano ninguém acredita que é em Americana. E sabe o que nós munícipes e gestores públicos fazemos dela? Um buracão.
Eu já perdi a conta dos milhares de reais que a gruta já recebeu nos últimos anos, eu particularmente suponho e contabilizo mais de 12 milhões nos últimos dez anos. E nesse tempo só vi cercarem uma parte de seu entorno, com alambrados que hoje nem existem mais, e agora estão construindo uma pista de caminhada às suas margens. Apenas isso. Pergunto-me para onde foram todos os recursos captados nos últimos anos? O que foi feito de educação ambiental e preservação da memória das comunidades do entorno? Quantas mudas de árvores foram plantadas para recuperação da flora, inclusive nas áreas que estão sofrendo erosão?
Desde os tempos de menino, sempre acompanho o que acontece com a gruta e só a vejo nos discursos dos gestores públicos em época de eleição. Um desrespeito total para com os cidadãos, para com suas responsabilidades públicas e profissionais, para com o mundo. Nem mesmo o partido verde (PV) que por seus princípios ambientais deveria cuidar desse patrimônio, nunca vi militar, de fato, por essa causa. Nenhum político até hoje levantou essa bandeira como se fosse a mais importante. O máximo que fazem é serem simpatizantes a uma ação do outro, até porque quem discordará em preservar um patrimônio ambiental? Bem, até alguém querer, já perdemos o direito à nossa memória, consumimos um patrimônio não só ambiental, mas imaterial também, como os contos da meninice.
Vamos salvar a gruta!

Veja mais fotos pelo link: http://turismoamericanasp.blogspot.com/2011/03/gruta-dainese.html

Um trabalho bem interessante que encontrei no YOUTUBE, feito pelo GEFAU, bem diferente do vídeo institucional feito pela Câmara Municipal do município em que, lamentavelmente, os vereadores não sabem nem distinguir a diferença entre Mata Atlântica e Floresta Amazônica.
http://www.youtube.com/watch?v=m1Egv8mKYus&feature=related

quinta-feira, outubro 20, 2011

Imagem do dia: A morte de Gaddafi



Revolucionários contrários ao ditador Muammar Gaddafi - Líbia. Foto: Folha de SP
 
  
Não apenas um mote da revolução francesa, os ideais “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” tornaram-se princípios universais. Estes certamente são defendidos por qualquer movimento que se choque com idéias e formas de governos contrários e antíteses dos valores proclamados por volta dos anos de 1790.
Um governo autoritário e ditatorial, como o de Gaddafi e tantos outros mundo afora, jamais estará alinhado com a liberdade humana, com a igualdade dos povos e com a fraternidade entre pares e etnias múltiplas.
Os revoltantes comemoram hoje a morte do ditador que assolou seu país em 40 anos sobrepondo aos princípios básicos à humanidade suas regalias. Mordomias estas que não se limitavam apenas ao poder soberano na Líbia, mas também ao acúmulo de riqueza em detrimento a pobreza extrema de sua nação, à luxos como inúmeras residências frente a miséria e  ausência de direitos sobre qualquer metro quadrado  por parte de alguns de seus conterrâneos.
Penso o quanto esses revolucionários têm a nos ensinar, não só pela luta por suas próprias vidas, mas por recuperar (ou manter vivo) os propósitos de uma transformação social baseada na ética, no valor humano, nos princípios de salvaguarda de um mundo em constante mudança. Assim, reflito o quanto as amarras, quase imperceptíveis, nos mantém nessa antítese dos ideais: Liberdade, igualdade e fraternidade.
Num contexto de conforto concedido ao custo da manutenção de um sistema, precisamos enxergar as atas que nos prendem e nos mantém alienados e limitados apenas as nossas realidades.  Precisamos nos armar contra as desigualdades ante uma realidade de todos. Penso quantos “Gaddafis” mantêm-se escondidos na maquina pública extorquindo não apenas a riqueza material de um povo, mas seus direitos básicos à vida, ao bem estar, à vivência digna do que vem a ser a experiência humana.  
Sendo assim, iniciativas contemporâneas como as proclamadas pelos atos contra a corrupção serão sempre bem vindas.  E por sorte ou conjuntura não precisamos das armar usadas pelos homens líbios. Cabe pontuar que uma de suas pautas tem a obrigação de ser discutida nas casas de leis – tornar atos corruptos crimes hediondos. Não podemos nos sujeitar a apatia e deixar que representantes públicos saiam ilesos diante de atos que furtam tais direitos. Não podemos aceitar que determinados pseudos ministros e chefes de estado, vulgos sindicalistas e partidários nos roubem o que é de mais digno a pessoa humana – a ética e o compromisso com os ideais coletivos supracitados.
Gostaria que a morte de Gaddafi nos trouxesse a vida, uma vida de esperança que nos salve de uma inércia alienante e que revigore a vontade de militar contra qualquer abuso de poder em qualquer parte do mundo. E mais, que nos mova à ação. 

 

sexta-feira, setembro 30, 2011

Inconstância

Não é porque não te quero por um momento que não te desejo para a vida inteira. Talvez eu sempre precise de um tempo só meu. Não quero um amor finito a um único tempo, minhas ambições afetivas são atemporais. Meu amor, eu desejo e quero reinventá-lo para que seu tom não seja demasiadamente marcado em mim, pois não quero uma pintura manchada e sim um desenho em cada detalhe, afinal só uma obra de arte fica para a eternidade.
Eu até posso buscar e vislumbrar outras telas, outros corpos, em que eu transcreva e transponha em traços abstratos meus sentimentos, contudo, nenhuma delas será tão completa quanto você. Em nenhum deles haverá espaço suficiente para que eu registre os contornos mais fortes em que os românticos possam se identificar.
Não quero uma obra feita, acabada por suas perspectivas de retoques finais. Eu quero um esboço de amor, um rascunho meu, nosso. Não suponha que um amor diferente seja menor. As medidas de um sentimento jamais serão passíveis de estabelecermos justaposições. E não julgue minhas intenções particulares exclusivas a mim, pois elas são nossas e buscam um amor verdadeiro desvinculado de padrões e projetos de outrem.
Alguém que a vida inteira sonhou, ao encontrar a razão, não poderia deixar de conduzir a fantasia ao real. Por isso, não me cobre mais que o amor verdadeiro, livre, liberto. Eu quero um sonho em carne e osso. E ter, para nós, um amor planejado aos moldes dos outros é o mesmo que ignorarmos sua essência e transformá-lo em cópia. Seria o mesmo que reduzi-lo a inverdade de um sonho inventado. 
Assim, promessas jamais serão condizentes com a liberdade. O amanhã já é muito para garantia de que estaremos presos um ao outro. O amor deve estar salvaguardado hoje, como o carinho e a conquista de agora. Só assim, no futuro, seremos os artistas de nossas próprias telas e poderemos tê-las como nossas.


LINIERS

segunda-feira, setembro 26, 2011

Realidades desconexas



Os gritos preenchidos com palavras de ordem me faziam refletir sobre tantas coisas presentes naqueles encontros. “A UNE somos nós, nossa força e nossa voz” foi a frase que mais me marcou no 9º Congresso da UEE – SP (União Estadual de Estudantes de São Paulo) e no 51º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudante), ambos realizados em 2009.  Não sei ao certo se todos dirigiam suas falas e gritos a determinados atores, inclusive, suponho que não, pois nem todos estavam ali pelo mesmo propósito.
Assim, me perguntava quem seria o interlocutor de cada agrupamento ali presente e a quem se dirigiam os discursos. De um lado, era vista uma maioria esmagadora de representantes da União da Juventude Socialista (UJS), boa parte deles filiados e simpatizantes ao PCdoB. Estes eram, sobretudo, de universidades privadas. Do outro, pude notar alguns coletivos que se apresentavam como Frente de oposição à atual UNE - alienada, pelega e partidarizada. Estes eram compostos, principalmente, por alunos de universidades públicas.
Mais evidente que a escolha das bandeiras do movimento, que a eleição dos novos representantes, que a discussão sobre educação, política e mudança social no país era a briga de poder e a ausência de diálogo entre as duas grandes frentes que se chocavam naqueles espaços. Os protagonistas em cena revelavam a realidade mais comum vivenciada em nosso cotidiano, os conflitos e opressões de classe.
Se por um lado pouco politizados eram os colegas da UNE e da UJS que haviam passado nas Universidades e Faculdades Brasil a fora arrebanhando delegados sem qualquer discussão e reflexão para os congressos supracitados, por outro não me soava legitimo, naquela conjuntura, o discurso de uma minoria elitizada de estudantes de universidades públicas que se enxergavam como os detentores da sabedoria e ignoravam e invisibilizavam uma realidade ali presente.
Nem todas as ovelhas eram fies a seus pastores e podiam, sim, contribuir para uma transformação social, mesmo sem saber o caminho. Além do desmantelamento dos reais propósitos do movimento estudantil aferidos pela UNE, me incomodava o tom de superioridade em tratar da verdade daqueles que, em condição de elite, se julgavam conhecedores de uma verdade para todos.
Bem, há tantas coisas a se pensar diante desse relato que nem sei por onde começar, contudo, três questões me parecem de suma importância: O que é educação? E como ela é construída no Brasil? Igual e justa para todos?
Lendo uma propaganda de certa universidade privada em que apontam um ranking, o qual a posiciona entre as melhores do Brasil, pensei: Por mais tortuosas que sejam as contestações sobre um ensino privado, elas sempre serão bem vindas. Pois a educação deve estar o mais distante possível do mercado, para que não se transforme em mercadoria, como em muitos casos já acontece, por exemplo, na matéria publicitária.
Aliás, nem mesmo as universidades públicas e seus pupilos devem estar atentos e presos a classificações e rankings e sim preocupados com a educação e busca do saber para toda a sociedade e não apenas para si. Devem, ainda, pensar na mudança social sem se olhar como protagonistas e donos da verdade.  É preciso que conectemos as realidades desconexas, se é que em algum momento elas estão dissociadas.  

domingo, setembro 18, 2011

Violência doméstica


             Caro leitor, novamente falarei sobre temas que causam repulsa, para alguns, sobretudo quanto a abordagem. Não que eu desconsidere o desconforto destes, contudo, diante de um cenário de violência em que vivemos é preciso refletir sobre as causas que o constitui. De maneira que, juntos tentemos entender algumas das realidades que nos atravessam. Hoje discorrerei sobre a violência doméstica e uma das perspectivas de sua origem.
            Fico admirado com a quantidade de mulheres que conheço e que sofreram ou sofrem violência dentro de suas próprias casas. Em quase todos os lugares que trabalhei, sempre tive uma colega que me relatava casos de abuso por parte de seus companheiros. Na última vez que estive em Sorocaba, soube, através de um amigo, que uma colega nossa da universidade tem sido agredida pelo parceiro. Talvez essas mulheres são parte dos números que apresentarei em seguida. Digo talvez, porque não sei se elas, em algum momento, denunciaram seus agressores.
            De acordo com a Agência Brasil, de abril de 2006 a junho desse ano, em apenas cinco anos de vigência da lei Maria da Penha, foram registrados 435 MIL relatos de violência. Só nesse ano foram mais de 293 mil atendimentos prestados pela Central de Atendimento à Mulher (Disque 180). Tratando das formas de agressão a partir do montante total, aproximadamente, 141 mil referem-se à violência física, 62 mil à brutalidade psicológica, 23 mil à agressão moral e 05 mil ao abuso sexual.
            Bem, o que faz delas reféns de seus próprios cônjuges? Por que a dificuldade em resistir? Quais são os fatores que tornam esses homens tão violentos? Pra mim, a resposta é a construção de uma cultura machista. Uma cultura baseada em poder, crenças e costumes. Perversa não apenas à mulher, mais ao homem também. Vítimas passivas e ativas de uma lógica opressora. E cabe a nós não negligenciarmos tais dados.
            Pensemos pela ótica religiosa, sendo ela parte de nossa cultura. Num país cujos valores do cristianismo são pregados e proclamados por todos os cantos, e que, para alguns, tratam-se de verdades absolutas, devemos refletir como tal crença cotidianamente e silenciosamente vai enraizando-se em nossa realidade.
            "Vós, mulheres sujeitai-vos a vosso marido, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.” (Efésios 5:22-24)
            "O homem não deve cobrir a cabeça, porque ele é a imagem e o reflexo de Deus, a mulher, no entanto, é o reflexo do homem. Porque o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher do homem. Nem o homem foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem." (1 Coríntios 11:7-9)
             Pensar como tais passagens bíblicas se contextualizam em nosso dia-a-dia parece-me uma tarefa complexa, conseqüentemente, nada fácil. Contudo, não tenho dúvida quanto às formas em que elas se materializam e de que se faz necessário o exercício de contestá-las. Entendo que trechos soltos não traduzam o sentido de uma realidade, mas não podemos desconsiderar que eles são parte dela.
            Embora eu vislumbre algumas hipóteses, pergunto-me o porquê as igrejas não tratam ou pouco falam de uma violência tão comum nas famílias brasileiras. Afinal, das 435 mil mulheres que relataram a violência nos últimos anos, 72% de seus agressores são seus cônjuges. Gostaria que as igrejas se preocupassem e discutissem, em seus cultos e encontros, o bem estar social, a saúde física e mental, bem como as múltiplas realidades de todos os sujeitos, enquanto pessoas humanas.

            A lei 11.340 – “Maria da Penha” – dita, em seu Art. 2o, que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

               

segunda-feira, setembro 12, 2011

Pronunciamento de Dilma Rousseff em 7 SET



TÓPICOS APRESENTADOS PARA ANÁLISE E REFLEXÃO:

¾      Inovação do mercado diante da crise internacional;
¾      Mérito dos brasileiros;
¾      Qualidade de vida e acesso aos serviços públicos;
¾      Melhor educação, saúde e segurança;
¾      "Na complexidade da vida em sociedade, cada conquista gera um desafio" - Aumento do emprego, necessidade de mão de obra qualificada;
¾      Aumento das Instituições de ensino Federais e programas de incentivo a formação qualificada e de pesquisas externas;
¾      Combate às drogas, em especial o crack, com apoio às vitimas. Em uma ponta o controle das fronteiras, na outra a criação de uma rede de apoio em saúde mental de múltiplas frentes;
¾      Brasil sem miséria: Retirar 16 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza;
¾      Brasil Maior: Defesa e incentivo às empresas nacionais;
¾      PAC: Um dos maiores programas de Infraestrutura do mundo;
¾      Minha Casa, Minha Vida: Programa de habitação popular;
¾      PRÉ-SAL: Riqueza a se transformar em bem estar para um povo;
¾      Combate à corrupção;
¾      “Mostrar que o maior valor que podemos alcançar, para nós e não para o outro, é o de garantir a qualidade de vida dos 190 milhões de brasileiros”.

quinta-feira, setembro 08, 2011

Uma conversa de facebook

Já que esse blog é construído e esboçado hoje a fim de trazer ao leitor um discurso manifesto, penso nas múltiplas possibilidades de explorá-lo. De maneira à melhor atender seus objetivos. Obviamente, concluo que os diversos discursos serão da maior valia para uma construção da reflexão humana, pautada nas diferentes perspectivas e realidades, as quais convivem no mesmo espaço e/ou diálogo.
Bem, recortei e colei uma conversa trocada numa rede social na data desta postagem. Os nomes são fictícios, de forma a preservar a identidade de seus autores. Registro, ainda, minha profunda admiração por Gláucia, precursora desse debate que possivelmente não terminará num ponto final. Certamente, aqueles que participaram da conversa, bem como aqueles que a leram, darão continuidade, nem que seja no dia seguinte ou daqui dois anos, quando pensarem em todas ou uma das perspectivas e realidades contidas em cada discurso.
A linguagem e compreensão do mundo é assim: processo.
 ***
GLÁUCIA: "Essa é uma forma de dizer que país queremos, com moralidade e justiça. É um grito que precisa ser ouvido (...) A classe média saiu de casa e veio para a rua. Foi assim com as Diretas-Já e com o impeachment. É assim que começa", disse o presidente da OAB durante a marcha.
ROGÉRIO: Começa o quê mesmo?
TATIANE: é assim que começam novas amizades e tal, mais amigos no facebook, mais fofocas sobre a vida dos outros, essas coisas...
ROGÉRIO: Ah, tá, só se for...
JOÃO: É assim que começam a vender dindins/geladinhos tão deliciosos quanto os de goiaba e de coco que chupamos hoje...
GLAUCIA: Vamos lá.
Ficha Limpa - o projeto circulou por todo o país, e foram coletadas mais de 1,3 milhões de assinaturas em seu favor – o que corresponde a 1% dos eleitores brasileiros (a iniciativa popular - prevista na Lei Magna - só se efetiva ...como PL quando se apresenta ao menos 1% de assinaturas de todos os eleitores do país);
Diretas já - movimento popular/civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983-1984, depois de anos de regime de ditadura (na maior manifestação pública da história do país, a Praça da Sé recebeu mais de 1,5 milhão de pessoas);
Impeachment - movimento popular de maioria estudantil - os caras-pintadas - exigindo o impeachment de Collor, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, além de não ter conseguido controlar a inflação “quase exponencial” de 80% ao mês e custosos gastos públicos. O último dos encontros reuniu mais de 750 mil no Vale do Anhangabaú;
Parada LGBT de SP – evento anual de orgulho gay, considerada a maior do mundo – recordes de mais de 3 milhões de pessoas -, que reivindica especialmente o combate à homofobia, dentre outros direitos civis, a exemplo do tema do ano de 2009: “Pela Isonomia dos Direitos”. A maior vitória foi certamente a decisão do STF, ainda há pouco, pelo reconhecimento da união estável de casais homossexuais;
Cada vez mais eu tenho a certeza que só se “começa” uma mudança (ainda que pequena) pelo impacto de um grande público. Esses exemplos corroboram aquela máxima, por vezes usada de maneira prosaica, de que “a voz do povo é a voz de Deus”. 1,3 milhão para Ficha Limpa, 1,5 milhão para Diretas, 750 mil para Impeachment, 3 milhões na Parada Gay, etc. Ainda tem a Marcha das Margaridas, Marcha das Vadias, Marcha contra a corrupção...
Dizer que a Marcha da Av. Paulista só teve quorum porque a tal “classe média” não iria viajar num feriado de meio de semana - e por mais que eu tenha severas críticas à (limitada) amplitude classista, étnica, racial e de gênero desses movimentos - me parece de uma tamanha mesquinhez, reacionarismo e conformismo, sem igual. Chega a me dar asco.
OSCAR: Mudanças Sociais no Brasil :D É sempre bom acreditar nelas. Desmonte de ditaduras no norte da África, reivindicações em países europeus questionando a crise econômica crônica, marchas contra corrupção, passeatas pela descriminalização da maconha, paradas pela diversidade sexual e de gênero, manifestos por um mundo mais justo são sempre bem vindos para contestar um sistema econômico e social. Independente dos motivos, o exercício de ir às ruas (espaço público, não privado) já é um avanço incrível nesse contexto que nos assola e oprime TODOS OS DIAS e que nos deixa presos a tantas amarras e pudores frente a transformação. Glaucia, procure o artigo do Arnaldo Jabor que saiu na última terça (6), no caderno 2 do ESTADÃO. É muito bom. Eu adorei.
GLAUCIA: Esses "intelectuais" me dão gastura. hhahaha Mas verei.
ROGÉRIO: Nossa agora meu sensor deu tilt: uma série de argumentos revolucionários redundaram no Jabor. Bizarro! E mais: Jabor = intelectual? Desculpa, não entendi mesmo mais nada agora.
Glaucia e Oscar, toda glória à manifestação popular, óbvio! O que merece ser bem pesado é a real capacidade desses movimentos - muito mais performáticos do que transformadores, além de ser inteligentemente captados pelos jornalões, do jeito... que lhes convém - nos levarem à redenção contra corrupção, safadeza, preconceito, racismo, etc! A catarse coletiva fica muito bem na foto; manter o espírito de mudança, no dia a dia, é algo que custa bem mais (e dá muito menos IBOPE). E de hipocrisia, meus caros, o mundo tá cheio! Grande e sincero abraço!
OSCAR: É, (de fato) na sociedade do espetáculo, o que importa é a performance. Já dizia certa rainha "mais do que ser, é preciso parecer". Assim, como parte dessa sociedade, penso que olhar para o mundo e seus defeitos é também olharmos o que temos de sua podridão. Usemos de suas armadilhas como nossas armas. Até podemos dar um tiro no pé, mas assim teremos um exército numa luta que é de todos. O texto do Arnaldo Jabor retrata bem o espírito e ideologia que se dissolvem com o tempo, seu saudosismo talvez seja desse espetáculo de outrora. E se há saudade, é porque, de alguma forma, ele acredita que ali existiu algo que ultrapassava a performance. Nem que seja uma ótica burguesa, pra mim, até a ilusória mudança social se pensada/feita por qualquer coletivo é válida. São munições para revoluções além dos microespaços, tão desgastantes a todos aqueles tentam colocá-las na prática.
GLAUCIA: Endosso a leitura de: A sociedade do espetáculo - do francês e neomarxista Guy Debord. A luta de classes contemporânea se revela e se reproduz diariamente na aparência, enquanto a melhor forma de apartar as classes. Mais do que ser burguês, é preciso parecer burguês. Mais do que não ser proletariado, é preciso não parecer proletariado. Ora, isso põe em xeque ou acalora o debate acerca de nossas militâncias. Será que a performance faz menor a causa? Confesso que me senti usurpada quando soube, há pouco, que o PSDB estava na manifestação de ontem filmando e fotografando este “furo de reportagem” para seu programa partidário. E igualmente estarrecida com a abordagem dada pela Veja – PiG-mãe do inferno! – na reportagem sobre o pré e pós marcha (me lembrou o próprio Impeachment, incentivada em rede nacional pela TV do Marinho). 
Embora todo o ceticismo de Carta Capital ,
http://www.cartacapital.com.br/politica/a-revolucao-nao-partira-do-vao-livre-do-masp e também de outros veículos centro-esquerda, só me reafirme a ânsia pela crítica ao “movimento da classe média cansada” (que dó de você!) e pelo debate acerca da “classe média hipócrita”, não poderei deixar de concordar com Oscar, quando diz que: “até a ilusória mudança social se pensada/feita por qualquer coletivo é válida” (pondero apenas o pronominal “qualquer”, não posso ser tolerante a todo tipo de coletivo!). Aliás, se é para relativizar, chega a ser mais nonsense ainda os “medianos” (em classe e em pró-atividade), que assistem a marcha pela Rede Globo, julgam-se politizados ao censurar uma marcha forjada e, honestamente, não se interessam e nem conseguem mobilizar a luta contra a corrupção e impunidade no seu cotidiano.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Que história é essa que me contam?

            Teria muito a nos dizer o decênio de dois fatos sobre as transformações sociais experenciadas pela humanidade ou ele nos diz tão pouco quando muito se fala de tais fatos? Bem, a resposta fica sob responsabilidade do leitor caso queira prosseguir nas reflexões.
            2011! Passaram-se dez anos, uma década! E ainda é possível, para alguns, sentir o cheiro do pó e fumaça e ouvir os gritos de desespero. Outros ainda escutam o inconfundível som do alumínio em atrito. Completa-se dez anos do atentado terrorista contra os Estados Unidos, bem como da crise econômica e social de nossos vizinhos portenhos, do panelaço argentino.
            De fato, os fatos não mentem. São provas vivas de vida e até de morte. É preciso enxergá-los além, como se o intransponível não existisse ao tratar das realidades. Pois sob um fato não há apenas uma realidade e sim um conjunto delas que se comunicam sem que precisemos erguer muros entre elas. Acredito ser necessário um questionamento sobre tudo que nos falam sobre os fatos, sobretudo quanto às realidades.
            Curioso pensar, que normalmente, as pessoas preferem as homenagens e críticas póstumas, considerando que só o ponto final confere a realidade de alguém ou de um acontecimento. Teme-se a mudança ou que qualquer realidade desabone ou destoa-se dos feitos ou fatos de que se fala. Ignora-se, assim, que o social e a humanidade estão em transformação, num processo contínuo.
            Buscamos as realidades objetivas, pois nos incomodam as subjetivas.    Nicolescu, em “O manifesto da transdiciplinaridade”, coloca que, quando a objetividade foi instituída como critério supremo da verdade, transformamos o sujeito em objeto. E dessa forma, a morte do homem é o preço do conhecimento objetivo.
            Não há uma realidade, mas inúmeras que, se não buscarmos conhecê-las, permanecerão escondidas ao limitarmo-nos apenas em saber o que nos contam.
            Damián Tabarovsky traz uma reflexão muito interessante em seu artigo publicado na última edição da Ilustríssima da FOLHA de SP sobre a revolução burguesa no início da crise argentina em 2001, quando a classe média saiu às ruas para bater panela reivindicando o dinheiro de suas poupanças. Pergunta-se o autor o que queriam e o que fariam com o dinheiro os garotos vestidos de surfistas e as mulheres que levam seus filhos para escolas particulares e pedem mais policiamento na cidade?
            Em meio às dúvidas, questiono também o que querem aqueles que, mesmo depois de dez anos, reproduzem o mesmo discurso sobre o ataque às torres gêmeas americanas?
            Entendo que os acontecimentos não sejam isolados no tempo, tão pouco onde ocorrem, mas consideremos além dos dados objetivos, suas subjetividades. Porque discorremos tanto dos quase três MIL mortos do ataque aos EUA e pouco falamos dos dois MILHÕES de seres humanos que morrem todos os dias de malária, AIDS e tuberculose?
            Até quando olharemos apenas para as reivindicações dos moradores do Morumbi por políticas de controle? Mais policiais? Mais grades de segurança? Mais praças iluminadas? Mais jardins enfeitados? Para que tudo isso enquanto milhares de pessoas morrem por tantas opressões, de raça, gênero, orientação sexual e, sobretudo, descaradamente e inescrupulosamente, pela opressão de classes? A mim, me parece que repetimos a insignificante lógica da história eurocêntrica que ensinamos às crianças na escola. Olhamos para a realidade com o olhar do outro.
            Florestan Fernandes, em “Mudanças Sociais no Brasil”, relata que a burguesia apropria-se do Estado e implanta até nos seus “inimigos” de classe a condição burguesa. Assim, até os moradores de Paraisópolis (Segunda maior favela de São Paulo, rodeada pelas nobres residências do Morumbi) acharão correto mais policiamento em torno dos casarões. Até a classe mais assolada concordará com a classe burguesa argentina que já havia tirado proveito dos motivos que levaram a crise econômica. Até os familiares de vítimas da malária, AIDS e tuberculose deixarão de falar sobre tais males para tratar do ataque à potência americana.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Sociedade do Espetáculo

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação.
Essa frase, de DEBORD, ao tratar da Sociedade do Espetáculo nos mostra o quanto a performance vêm tomando lugar do ser. E isso revela uma desconstrução de nossas perspectivas sobre o SER humano, pois não importa mais o ser e sim o parecer ou o estar momentaneamente.
Na sociedade do instantâneo, tudo é passageiro, diluísse nas representações que, no minuto seguinte, já está no passado, sem qualquer valor. A imagem é para o agora, no presente, e o que importa é a performance.
Feuerbach, no prefácio à segunda edição de A Essência do Cristianismo, coloca que em nosso tempo prefere-se a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser, pois a verdade está no profano. Ou seja, conforme decresce a verdade, a ilusão aumenta e o sagrado cresce. O cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado. 
Assim, as praticas de nossos representantes políticos tem muito a nos revelar sobre essa experiência performativa da vida. E um bom campo para análise desse espetáculo são as paginas de relacionamento e redes sociais, onde se fala muito e há muita performance.
Já que em seus perfis nas redes sociais são apresentados como representantes políticos, há de se esperar que se portem como tal. Entretanto, ao invés de publicarem suas ações e reivindicações preferem postar passagens bíblicas, frases poéticas e dizeres de pensadores, sem qualquer reflexão sobre o que postam. Esquecem-se de ali é um espaço para a publicação de um pensamento próprio e não apenas do outro. Ou então, a pergunta que motiva as postagens, em uma das redes, seria "O que os outros estão pensando agora?"
A mim me soa até como uma apropriação descabida de reflexões de outrem. Parece-me que tais políticos pouco sabem, de fato, sobre as percepções e entrelinhas presentes nas transcrições que postam e compartilham. Entretanto a ausência de lógica é lógica na sociedade do espetáculo, pois não importa a verdade e a realidade e sim, como já dito, a performance.

domingo, agosto 07, 2011

Silêncio?

Duas forças contrárias, uma a outra, me dominaram ao escrever esse artigo. Uma que me orientava não por a mão sobre o teclado e outra que insistia em dar seqüência às reflexões postas em tantos jornais e portais virtuais.  
A primeira delas estruturava-se por uma das referencias que tenho sobre sexualidade. Foucault, filósofo francês, ao tratar da história da sexualidade nos relata que as sociedades ocidentais, até colocarem o sexo em discurso, a partir da confissão e dos diagnósticos clínicos, institucionalizados, jamais teriam silenciado tanto a sexualidade como nesse momento. Quando mais se falou em sexo, mais ele foi reprimido.
A outra força lembrava-me da perspectiva construtivista, a qual enxerga a linguagem e o discurso como forma de produção de sentidos, significados e, conseqüentemente, de compreensão das coisas e dos próprios sujeitos.
A segunda me fora mais enfática e, assim, trago mais algumas reflexões sobre tal fato polêmico, pauta das mídias locais e até internacionais. Um vereador de São Paulo, que nem citarei o nome, pois tais assuntos em voga me soam como levante de campanha, propôs um projeto de lei que institui o dia do orgulho heterossexual.
De fato, as convicções e visões de mundo são pessoais e jamais devem ser desqualificadas por outrem. Aliás, respeitá-las é um princípio básico ao viver em sociedade civilizadamente. Só é preciso ter consciência e cuidado quando nossos posicionamentos afetam outras pessoas, quando silenciamos e invisibilizamos sujeitos.
Não tem lógica a proposta do vereador, tão pouco um movimento manter-se quieto ante tal fato. Um movimento que milita diariamente nas ruas pelo simples direito de manifestar a sexualidade, por sobreviver, que se institucionaliza em grupos de estudos e de apoio, que é composto por educadores, jornalistas, psicólogos, partidários, engenheiros, advogados, jovens, adultos, idosos e em tantos outros papéis, não podia manter-se calado. 
Não sejamos levianos, o movimento não é contra qualquer afirmação, e sim contra a banalização de políticas públicas e ações que visam uma transformação social, de uma realidade opressora. Datas estabelecidas para o orgulho de minorias são para o reconhecimento destas enquanto sujeitos políticos, existentes, com voz e espaço.
Propor e aprovar o dia do orgulho heterossexual é o mesmo que instituir o dia da consciência branca, dos fisicamente perfeitos, dos homens, e dessa forma, manter invisíveis minorias excluidas do poder e dos direitos de cidadania – mulheres, negros, homossexuais, portadores de necessidades especiais, etc. São anos de discussão, debate e militancia banalizados por ações pontuais.  E estes jamais seriam desnecessários, sobretudo diante de fatos como o ocorrido.
Afinal, qual é, ainda hoje, a porcentagem entre homens e mulheres que ocupam os espaços públicos, qual é a proporção de brancos e negros que compõem as classes sociais, quantos livros em braile temos em nossas escolas e quantos são os heterossexuais e homossexuais que apanham por demonstrarem afeto pelo sexo oposto ou similar?
Não se trata de uma imposição ou perseguição ideológiga, mas uma reação à banalização das práticas de agrupamentos políticos. O movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais, assim como os de outras minorias, não aclama por qualquer silêncio e sim pelo direito de não manter-se calado.

terça-feira, agosto 02, 2011

Noites


Nada como as noites
Quando descansam os sonhos 
Onde, em algum lugar, debruçam-se os pensamentos

Nada como as noites
Quando se gozam os prazeres
Onde, em algum lugar, se buscam os deleites

Nada como as noites
Quando se avista aquele moicano
Onde, em algum lugar, se dança como se fosse o último tango


Liniers




Liniers


quinta-feira, julho 21, 2011

Meu nome é Leôlo Lozone

Cândido Portinari - Mulher e criança
Já não se escuta mais o despertar do dia, nem se enxerga o despontar das estrelas. Noite e dia se confundem ao barulho das maquinas que não param, que não cessam nem pelo desejo de se manter a roldana. Seus operários não querem mais acordar, tão pouco ver a realidade que lhes afronta. Preferem o sono e até os sonhos infantis, como o de Leôlo. Ninguém mais quer crescer, pois a infância, aos olhos desatentos, liberta-nos de operar os teares e nossas próprias vidas.
Do outro não se sabe, a política é suja e desprezível para pô-la em prática, as religiões são dispositivos de poder que negligenciam o nosso saber popular. O outro, o poder, a religião, todos são constituídos para não serem postos em questão. Daí, a única alternativa é empreitar-se à construção da fantasia, do sonho prometido.
Leôlo, quando criança vivia uma realidade inventada. Os sonhos, seus principais e mais fiéis companheiros, guiavam seus dias sem sol. Imaginava a todo tempo uma história que não era sua. O cenário, sua casa, os atores, seu espelho, o romance, sua imaginação. Todos eram seus, projetos próprios.
E nesse mundo particular, mesmo sem amigos, sem armário farto, sem o modelo familiar, nada lhe faltava. Seu desejo de sobrevivência ultrapassava os limites do consciente, pois ele precisava acreditar nas mentiras que eram as poucas verdades que lhe mantinha vivo.
Leôlo é obra de arte criada, talvez real, de uma narrativa cinematográfica. A história de um menino e sua família num bairro pobre de Montreal. É mais que referencia da psicopatologia familiar, é exemplo de um adoecimento social. Trata-se de um filme canadense considerado um dos longas-metragens mais originais realizados no Canadá.
(...) E numa viagem tudo muda. Os sonhos deixam de ser apenas as inverdades de outrora. Então, Leôlo, o criador de sonhos, entra num futuro diferente do passado. A esperança, que antes aparecia travestida de mentira, mostra sua face. E até onde se lê do enredo ela permanecerá junto a ele para todo o sempre.


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- O texto acima é parte de outro já publicado nesse blog em 2009.

Câdido Portinari - Retirantes