quinta-feira, julho 21, 2011

Meu nome é Leôlo Lozone

Cândido Portinari - Mulher e criança
Já não se escuta mais o despertar do dia, nem se enxerga o despontar das estrelas. Noite e dia se confundem ao barulho das maquinas que não param, que não cessam nem pelo desejo de se manter a roldana. Seus operários não querem mais acordar, tão pouco ver a realidade que lhes afronta. Preferem o sono e até os sonhos infantis, como o de Leôlo. Ninguém mais quer crescer, pois a infância, aos olhos desatentos, liberta-nos de operar os teares e nossas próprias vidas.
Do outro não se sabe, a política é suja e desprezível para pô-la em prática, as religiões são dispositivos de poder que negligenciam o nosso saber popular. O outro, o poder, a religião, todos são constituídos para não serem postos em questão. Daí, a única alternativa é empreitar-se à construção da fantasia, do sonho prometido.
Leôlo, quando criança vivia uma realidade inventada. Os sonhos, seus principais e mais fiéis companheiros, guiavam seus dias sem sol. Imaginava a todo tempo uma história que não era sua. O cenário, sua casa, os atores, seu espelho, o romance, sua imaginação. Todos eram seus, projetos próprios.
E nesse mundo particular, mesmo sem amigos, sem armário farto, sem o modelo familiar, nada lhe faltava. Seu desejo de sobrevivência ultrapassava os limites do consciente, pois ele precisava acreditar nas mentiras que eram as poucas verdades que lhe mantinha vivo.
Leôlo é obra de arte criada, talvez real, de uma narrativa cinematográfica. A história de um menino e sua família num bairro pobre de Montreal. É mais que referencia da psicopatologia familiar, é exemplo de um adoecimento social. Trata-se de um filme canadense considerado um dos longas-metragens mais originais realizados no Canadá.
(...) E numa viagem tudo muda. Os sonhos deixam de ser apenas as inverdades de outrora. Então, Leôlo, o criador de sonhos, entra num futuro diferente do passado. A esperança, que antes aparecia travestida de mentira, mostra sua face. E até onde se lê do enredo ela permanecerá junto a ele para todo o sempre.


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- O texto acima é parte de outro já publicado nesse blog em 2009.

Câdido Portinari - Retirantes


sexta-feira, julho 15, 2011

A legitimidade posta à prova

            Caros conterrâneos, como se constitui a legitimidade de nossos vereadores em legislar por nós? O que confere a eles o direito de definir e aprovar pautas na casa das leis? Seria somente o voto nossa autorização e consentimento às decisões de nossos representantes? A maioria de nós votaria pelo cancelamento da lei “Mentor”?
            Para mim, não. Conceitualmente legítimo é estar de acordo com a verdade, com a justiça e a lei. É coerência e racionalidade sobre alguma coisa. No senso comum, legitimidade é fazer jus as atribuições e responsabilidades que cabe a determinado papel, assim, as ações dos atores devem estar baseadas nas premissas que os caracterizam como determinados personagens. Logo, cada vereador deveria dar voz a quem ele representa, não silenciar o cidadão e impô-lo seus discursos.
            Conscientes de que não teríamos direito a fala, algo irônico num sistema representativo e democrático, mesmo considerando as formalidades e regas de organização das instituições, eu e meu irmão fomos até a Câmara Municipal de Americana na sessão extraordinária de ontem e entregamos uma carta aos vereadores nos posicionando a favor da lei 2.641, conhecida como a “Lei Mentor” - a qual obriga nossos gestores a prestar conta dos gastos com publicidade. A demanda por revogá-la veio do poder executivo em regime de urgência, curiosamente após ter sido publicado os 14 milhões a serem gastos em dois anos de mandato do prefeito Diego De Nadai. Número bem acima dos dois milhões que a prefeitura tanto se gaba em ter conquistado do governo do estado para o Hospital Municipal.
            Estávamos munidos de um abaixo-assinado de alguns moradores do Jardim São Paulo e com cartazes. Não éramos os únicos, haviam membros da associação “Amigos do bairro Jardim da Paz”, moradores de outros bairros, partidários, etc. Manifestamos nosso repúdio a ações como a revogação da lei que obriga nossos representantes prestar contas. E pasmem! Não foi suficiente a manifestação dos cidadãos ali presentes. Devo deixar registrado que não havia nenhuma manifestação popular em defesa da revogação, ao contrário, as manifestações ali ocorridas eram pela lei que determina aos nossos gestores a transparência em suas ações.
            Sendo assim, não justifica sob qualquer argumento o cancelamento de uma lei que obrigue um prefeito a prestar contas de seus gastos, ainda que a lei esteja defasada. Se os cidadãos manifestam-se por qualquer bandeira, por quais motivos os legisladores não devem acatar? O que e quem os confere legitimidade?

Veja os vereadores que votaram pelo cancelamento da lei. (Clique na imagem para ampliá-la)


segunda-feira, julho 11, 2011

Porca miséria!

Mais uma vez o disparate dos políticos de Americana- SP apresenta dimensões inaceitáveis. Como se não bastasse os altos salários, o dispêndio de recursos com construções de fechada sem qualquer mudança estrutural e novos projetos, o inchaço da maquina pública com comissionados beneficiados pelo patronato, empréstimos para obras higienistas, entrega descarada de recursos públicos às empresas privadas em anistia de dívida, alguns representantes da casa das leis mostram-se pouco atentos às contas de seus gabinetes. O que mais chama atenção é o montante do vereador Paulo Chocolate, o qual gastou R$ 4.071,47 só com telefone, em cinco meses de governo. Atrás seguem os vereadores Leonora do Postinho e Capitão Luiz Antonio Crivelari, R$ 3.531,64 e R$ 3.199,65 respectivamente. Os três fazem parte da base aliada do prefeito de Americana, Diego De Nadai, outro gestor público que não parece preocupado com o orçamento da cidade. Chegam a ser ridículas as notas publicadas no portal da prefeitura, as quais enaltecem o recebimento de 3,5 milhões de reais do governo do estado de São Paulo - o mais rico do pais, ao passo que o município interiorano,  de aproximadamente 200 mil habitantes, gastará R$ 14 milhões com MARKETING em apenas dois anos de mandato do atual prefeito, como aponta o jornal O Liberal. Enquanto isso, de acordo com o censo 2010, a rica RPT (Região do Pólo Têxtil - auto classificação provinciana) é cenário de 4,9 mil cidadãos vivendo em miséria absoluta, com renda mensal de até R$ 70,00. Mas não sejamos levianos, o executivo e alguns vereadores estão  pensando nessa fatia da população! De alguma forma estão! Senão, não teríamos o bolsa moradia, benefício a ser dado às famílias que se cadastrarem munidas de seus títulos de eleitor. Porca miséria!

Da esquerda para a direita, os vereadores: Paulo Chocolate (PSC), Antonio Sacilotto (PSDB) e Capitão Crivelari (PP), durante a discussão sobre o bolsa moradia.



Painel de votos para aprovação do bolsa moradia ¬¬

 
Assista ao trecho em debate na sessão de 07 de julho de 2011:

A Parada do Orgulho LGBT: Carnaval fora de época ou uma grande festa política?

Por Dário Neto

O que é esse fenômeno que tem tomado o Brasil há anos e se construído na Avenida Paulista como a maior concentração de pessoas com direito a inclusão no Guines Book? Alguns acham que é um carnaval fora de época, outros acham que é um desrespeito à família, mas há os que vêem nela um grande ato político. Eu afirmo: As Paradas do Orgulho LGBT é uma grande festa política.
A Parada é sim uma grande festa, mas isso não a faz perder seu caráter político. É um dos poucos movimentos que evidencia um grave problema social da cultura capitalista nos centros urbanos: o isolamento das pessoas e a eliminação do espaço público como espaço de convivência. A rua, que até a era pré-vitoriana era o espaço das grandes feiras, recreações infantis, de encontros sociais, das práticas sexuais gratuitas, tornou-se o espaço de indivíduos isolados, trancafiados em suas casas, em suas angústias, afundando-se em suas depressões e remédios e tornando cada vez mais o espaço público em terra de ninguém. A Parada traz para o centro do Capitalismo os excluídos, os párias, as "aberrações" que insultam a moral católica, traz a noite marginal dos grandes centros para brilharem com todo glamour e fechação a dura realidade da violência que vivenciam no dia-a-dia. A rua, que, de espaço de convivência e confraternização social na era pré-vitoriana, tornou-se o fora da família burguesa, passou a ser tratada como a margem onde tudo o que sobra da casa burguesa, todo o lixo é depositado nela. Tomarmos a rua é ressiginificar o próprio sentido desse espaço.
Nossa linguagem política é completamente diferente do que se acostumou a esquerda ainda presa ao merchandising capitalista. Nosso discurso não é a palavra verbal, a palavra verdade herdeira do pensamento iluminista. Nosso discurso é uma semiótica da perversão: da travesti que mostra sua feminilidade com seus peitos siliconados de fora; do homem que inverte sua condição de sujeito sexual, tornando-se objeto de prazer para outros homens; das mulheres que rompem a lógica da feminilidade machista para desenharem em seu corpo como donas do prazer provocando desejos em outras mulheres; da “pintosa” de periferia que dá seus closes em plena luz do dia e mostra sua jeito livre de ser feliz. Como afronta à hipocrisia cristã que oprime diariamente toda a sociedade, os sujeitos políticos que se manifestam na Parada operam uma estética da perversão, carregando na forma o seu mais valioso conteúdo político como enfrentamento às normas que nos oprimem. Em cada forma e em cada estética manifesta vê-se o grito de que somos sujeitos do nosso corpo e queremos o nosso direito à felicidade. Entrar nesse espaço e encontrar seus iguais nesse mundo de diversidade é sentir-se pertencer, é se empoderar como sujeito social, até mesmo nas pegações mais intensas ou menos intensas que acontecem durante o percurso da parada. Nesse contexto, a política que mais se pratica é a da desconstrução da moral hipócrita, do questionamento do que se define como certo ou errado, da implosão dos valores sociais que nos oprime diariamente. Somos A Banda de Chico Buarque que sacudimos, mesmo que por algumas horas, as vidas encasuladas da sociedade.
A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deve ser entendida em um contexto mais amplo que o da Avenida Paulista. Este ano a Parada superou seu recorde, trazendo quatro milhões de pessoas, apesar da chuva e do frio. Essa mobilização numérica alimenta e incentiva o acontecimento das outras duzentas e cinquenta paradas que ocorrem ao longo do ano e também se sustenta nelas em uma relação de interdependência recíproca. Para além da principal avenida de São Paulo, as Paradas formam um único corpo espalhadas por todo o Brasil. Essa movimentação de Paradas no Brasil e no mundo é o dinamus político que incentiva e fortalece a realização de ações em outros países que não permitem quaisquer manifestações em defesa desse tema. Na Rússia, no dia 28 de maio, militantes LGBT, apesar de o Prefeito de Moscou ter proibido a realização da Parada, se concentraram na Praça Vermelha. Em nome de uma “moral social”, religiosos e skinheads foram lá rechaçar qualquer manifestação dessas militantes. Certamente, a coragem dessa militância de enfrentar a opressão institucional e de grupos conservadores e reacionários tem sido alimentada e fortalecida pelas Paradas que ocorrem em outros locais do mundo, entre elas, a maior de todas – a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. E certamente, em países que criminalizam a homossexualidade, se levantarão outras e outros militantes, movidos pelo efeito que nossa Parada exerce sobre eles, para encampar a luta contra a homofobia.
O tema da Parada de São Paulo este ano foi: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”. Como uma sociedade cristã prega tanto o amor, mas autorizam a morte de travestis? Ou autorizam que jovens sejam gratuitamente agredidos na Avenida Paulista? Ou autorizam a exclusão de crianças das escolas motivada pelo bulliyng homofóbico? Ou proíbem o casamento legal de LGBT e a não adoção de crianças por casais homoafetivos? Se há amor, deve haver respeito. E para haver respeito é fundamental que nenhum direito seja violado. Se há amor deve garantir direitos iguais: nem menos, nem mais. O clamor que se ouve nas Paradas LGBT em São Paulo, no Brasil e no mundo pode ser traduzido pela famosa frase de Rosa Luxemburgo: Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.

Dário Neto é membro do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual de São Paulo e doutorando em Literatura Brasileira pela USP

Fonte: Portal Caros Amigos