sexta-feira, setembro 30, 2011

Inconstância

Não é porque não te quero por um momento que não te desejo para a vida inteira. Talvez eu sempre precise de um tempo só meu. Não quero um amor finito a um único tempo, minhas ambições afetivas são atemporais. Meu amor, eu desejo e quero reinventá-lo para que seu tom não seja demasiadamente marcado em mim, pois não quero uma pintura manchada e sim um desenho em cada detalhe, afinal só uma obra de arte fica para a eternidade.
Eu até posso buscar e vislumbrar outras telas, outros corpos, em que eu transcreva e transponha em traços abstratos meus sentimentos, contudo, nenhuma delas será tão completa quanto você. Em nenhum deles haverá espaço suficiente para que eu registre os contornos mais fortes em que os românticos possam se identificar.
Não quero uma obra feita, acabada por suas perspectivas de retoques finais. Eu quero um esboço de amor, um rascunho meu, nosso. Não suponha que um amor diferente seja menor. As medidas de um sentimento jamais serão passíveis de estabelecermos justaposições. E não julgue minhas intenções particulares exclusivas a mim, pois elas são nossas e buscam um amor verdadeiro desvinculado de padrões e projetos de outrem.
Alguém que a vida inteira sonhou, ao encontrar a razão, não poderia deixar de conduzir a fantasia ao real. Por isso, não me cobre mais que o amor verdadeiro, livre, liberto. Eu quero um sonho em carne e osso. E ter, para nós, um amor planejado aos moldes dos outros é o mesmo que ignorarmos sua essência e transformá-lo em cópia. Seria o mesmo que reduzi-lo a inverdade de um sonho inventado. 
Assim, promessas jamais serão condizentes com a liberdade. O amanhã já é muito para garantia de que estaremos presos um ao outro. O amor deve estar salvaguardado hoje, como o carinho e a conquista de agora. Só assim, no futuro, seremos os artistas de nossas próprias telas e poderemos tê-las como nossas.


LINIERS

segunda-feira, setembro 26, 2011

Realidades desconexas



Os gritos preenchidos com palavras de ordem me faziam refletir sobre tantas coisas presentes naqueles encontros. “A UNE somos nós, nossa força e nossa voz” foi a frase que mais me marcou no 9º Congresso da UEE – SP (União Estadual de Estudantes de São Paulo) e no 51º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudante), ambos realizados em 2009.  Não sei ao certo se todos dirigiam suas falas e gritos a determinados atores, inclusive, suponho que não, pois nem todos estavam ali pelo mesmo propósito.
Assim, me perguntava quem seria o interlocutor de cada agrupamento ali presente e a quem se dirigiam os discursos. De um lado, era vista uma maioria esmagadora de representantes da União da Juventude Socialista (UJS), boa parte deles filiados e simpatizantes ao PCdoB. Estes eram, sobretudo, de universidades privadas. Do outro, pude notar alguns coletivos que se apresentavam como Frente de oposição à atual UNE - alienada, pelega e partidarizada. Estes eram compostos, principalmente, por alunos de universidades públicas.
Mais evidente que a escolha das bandeiras do movimento, que a eleição dos novos representantes, que a discussão sobre educação, política e mudança social no país era a briga de poder e a ausência de diálogo entre as duas grandes frentes que se chocavam naqueles espaços. Os protagonistas em cena revelavam a realidade mais comum vivenciada em nosso cotidiano, os conflitos e opressões de classe.
Se por um lado pouco politizados eram os colegas da UNE e da UJS que haviam passado nas Universidades e Faculdades Brasil a fora arrebanhando delegados sem qualquer discussão e reflexão para os congressos supracitados, por outro não me soava legitimo, naquela conjuntura, o discurso de uma minoria elitizada de estudantes de universidades públicas que se enxergavam como os detentores da sabedoria e ignoravam e invisibilizavam uma realidade ali presente.
Nem todas as ovelhas eram fies a seus pastores e podiam, sim, contribuir para uma transformação social, mesmo sem saber o caminho. Além do desmantelamento dos reais propósitos do movimento estudantil aferidos pela UNE, me incomodava o tom de superioridade em tratar da verdade daqueles que, em condição de elite, se julgavam conhecedores de uma verdade para todos.
Bem, há tantas coisas a se pensar diante desse relato que nem sei por onde começar, contudo, três questões me parecem de suma importância: O que é educação? E como ela é construída no Brasil? Igual e justa para todos?
Lendo uma propaganda de certa universidade privada em que apontam um ranking, o qual a posiciona entre as melhores do Brasil, pensei: Por mais tortuosas que sejam as contestações sobre um ensino privado, elas sempre serão bem vindas. Pois a educação deve estar o mais distante possível do mercado, para que não se transforme em mercadoria, como em muitos casos já acontece, por exemplo, na matéria publicitária.
Aliás, nem mesmo as universidades públicas e seus pupilos devem estar atentos e presos a classificações e rankings e sim preocupados com a educação e busca do saber para toda a sociedade e não apenas para si. Devem, ainda, pensar na mudança social sem se olhar como protagonistas e donos da verdade.  É preciso que conectemos as realidades desconexas, se é que em algum momento elas estão dissociadas.  

domingo, setembro 18, 2011

Violência doméstica


             Caro leitor, novamente falarei sobre temas que causam repulsa, para alguns, sobretudo quanto a abordagem. Não que eu desconsidere o desconforto destes, contudo, diante de um cenário de violência em que vivemos é preciso refletir sobre as causas que o constitui. De maneira que, juntos tentemos entender algumas das realidades que nos atravessam. Hoje discorrerei sobre a violência doméstica e uma das perspectivas de sua origem.
            Fico admirado com a quantidade de mulheres que conheço e que sofreram ou sofrem violência dentro de suas próprias casas. Em quase todos os lugares que trabalhei, sempre tive uma colega que me relatava casos de abuso por parte de seus companheiros. Na última vez que estive em Sorocaba, soube, através de um amigo, que uma colega nossa da universidade tem sido agredida pelo parceiro. Talvez essas mulheres são parte dos números que apresentarei em seguida. Digo talvez, porque não sei se elas, em algum momento, denunciaram seus agressores.
            De acordo com a Agência Brasil, de abril de 2006 a junho desse ano, em apenas cinco anos de vigência da lei Maria da Penha, foram registrados 435 MIL relatos de violência. Só nesse ano foram mais de 293 mil atendimentos prestados pela Central de Atendimento à Mulher (Disque 180). Tratando das formas de agressão a partir do montante total, aproximadamente, 141 mil referem-se à violência física, 62 mil à brutalidade psicológica, 23 mil à agressão moral e 05 mil ao abuso sexual.
            Bem, o que faz delas reféns de seus próprios cônjuges? Por que a dificuldade em resistir? Quais são os fatores que tornam esses homens tão violentos? Pra mim, a resposta é a construção de uma cultura machista. Uma cultura baseada em poder, crenças e costumes. Perversa não apenas à mulher, mais ao homem também. Vítimas passivas e ativas de uma lógica opressora. E cabe a nós não negligenciarmos tais dados.
            Pensemos pela ótica religiosa, sendo ela parte de nossa cultura. Num país cujos valores do cristianismo são pregados e proclamados por todos os cantos, e que, para alguns, tratam-se de verdades absolutas, devemos refletir como tal crença cotidianamente e silenciosamente vai enraizando-se em nossa realidade.
            "Vós, mulheres sujeitai-vos a vosso marido, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.” (Efésios 5:22-24)
            "O homem não deve cobrir a cabeça, porque ele é a imagem e o reflexo de Deus, a mulher, no entanto, é o reflexo do homem. Porque o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher do homem. Nem o homem foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem." (1 Coríntios 11:7-9)
             Pensar como tais passagens bíblicas se contextualizam em nosso dia-a-dia parece-me uma tarefa complexa, conseqüentemente, nada fácil. Contudo, não tenho dúvida quanto às formas em que elas se materializam e de que se faz necessário o exercício de contestá-las. Entendo que trechos soltos não traduzam o sentido de uma realidade, mas não podemos desconsiderar que eles são parte dela.
            Embora eu vislumbre algumas hipóteses, pergunto-me o porquê as igrejas não tratam ou pouco falam de uma violência tão comum nas famílias brasileiras. Afinal, das 435 mil mulheres que relataram a violência nos últimos anos, 72% de seus agressores são seus cônjuges. Gostaria que as igrejas se preocupassem e discutissem, em seus cultos e encontros, o bem estar social, a saúde física e mental, bem como as múltiplas realidades de todos os sujeitos, enquanto pessoas humanas.

            A lei 11.340 – “Maria da Penha” – dita, em seu Art. 2o, que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

               

segunda-feira, setembro 12, 2011

Pronunciamento de Dilma Rousseff em 7 SET



TÓPICOS APRESENTADOS PARA ANÁLISE E REFLEXÃO:

¾      Inovação do mercado diante da crise internacional;
¾      Mérito dos brasileiros;
¾      Qualidade de vida e acesso aos serviços públicos;
¾      Melhor educação, saúde e segurança;
¾      "Na complexidade da vida em sociedade, cada conquista gera um desafio" - Aumento do emprego, necessidade de mão de obra qualificada;
¾      Aumento das Instituições de ensino Federais e programas de incentivo a formação qualificada e de pesquisas externas;
¾      Combate às drogas, em especial o crack, com apoio às vitimas. Em uma ponta o controle das fronteiras, na outra a criação de uma rede de apoio em saúde mental de múltiplas frentes;
¾      Brasil sem miséria: Retirar 16 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza;
¾      Brasil Maior: Defesa e incentivo às empresas nacionais;
¾      PAC: Um dos maiores programas de Infraestrutura do mundo;
¾      Minha Casa, Minha Vida: Programa de habitação popular;
¾      PRÉ-SAL: Riqueza a se transformar em bem estar para um povo;
¾      Combate à corrupção;
¾      “Mostrar que o maior valor que podemos alcançar, para nós e não para o outro, é o de garantir a qualidade de vida dos 190 milhões de brasileiros”.

quinta-feira, setembro 08, 2011

Uma conversa de facebook

Já que esse blog é construído e esboçado hoje a fim de trazer ao leitor um discurso manifesto, penso nas múltiplas possibilidades de explorá-lo. De maneira à melhor atender seus objetivos. Obviamente, concluo que os diversos discursos serão da maior valia para uma construção da reflexão humana, pautada nas diferentes perspectivas e realidades, as quais convivem no mesmo espaço e/ou diálogo.
Bem, recortei e colei uma conversa trocada numa rede social na data desta postagem. Os nomes são fictícios, de forma a preservar a identidade de seus autores. Registro, ainda, minha profunda admiração por Gláucia, precursora desse debate que possivelmente não terminará num ponto final. Certamente, aqueles que participaram da conversa, bem como aqueles que a leram, darão continuidade, nem que seja no dia seguinte ou daqui dois anos, quando pensarem em todas ou uma das perspectivas e realidades contidas em cada discurso.
A linguagem e compreensão do mundo é assim: processo.
 ***
GLÁUCIA: "Essa é uma forma de dizer que país queremos, com moralidade e justiça. É um grito que precisa ser ouvido (...) A classe média saiu de casa e veio para a rua. Foi assim com as Diretas-Já e com o impeachment. É assim que começa", disse o presidente da OAB durante a marcha.
ROGÉRIO: Começa o quê mesmo?
TATIANE: é assim que começam novas amizades e tal, mais amigos no facebook, mais fofocas sobre a vida dos outros, essas coisas...
ROGÉRIO: Ah, tá, só se for...
JOÃO: É assim que começam a vender dindins/geladinhos tão deliciosos quanto os de goiaba e de coco que chupamos hoje...
GLAUCIA: Vamos lá.
Ficha Limpa - o projeto circulou por todo o país, e foram coletadas mais de 1,3 milhões de assinaturas em seu favor – o que corresponde a 1% dos eleitores brasileiros (a iniciativa popular - prevista na Lei Magna - só se efetiva ...como PL quando se apresenta ao menos 1% de assinaturas de todos os eleitores do país);
Diretas já - movimento popular/civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983-1984, depois de anos de regime de ditadura (na maior manifestação pública da história do país, a Praça da Sé recebeu mais de 1,5 milhão de pessoas);
Impeachment - movimento popular de maioria estudantil - os caras-pintadas - exigindo o impeachment de Collor, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, além de não ter conseguido controlar a inflação “quase exponencial” de 80% ao mês e custosos gastos públicos. O último dos encontros reuniu mais de 750 mil no Vale do Anhangabaú;
Parada LGBT de SP – evento anual de orgulho gay, considerada a maior do mundo – recordes de mais de 3 milhões de pessoas -, que reivindica especialmente o combate à homofobia, dentre outros direitos civis, a exemplo do tema do ano de 2009: “Pela Isonomia dos Direitos”. A maior vitória foi certamente a decisão do STF, ainda há pouco, pelo reconhecimento da união estável de casais homossexuais;
Cada vez mais eu tenho a certeza que só se “começa” uma mudança (ainda que pequena) pelo impacto de um grande público. Esses exemplos corroboram aquela máxima, por vezes usada de maneira prosaica, de que “a voz do povo é a voz de Deus”. 1,3 milhão para Ficha Limpa, 1,5 milhão para Diretas, 750 mil para Impeachment, 3 milhões na Parada Gay, etc. Ainda tem a Marcha das Margaridas, Marcha das Vadias, Marcha contra a corrupção...
Dizer que a Marcha da Av. Paulista só teve quorum porque a tal “classe média” não iria viajar num feriado de meio de semana - e por mais que eu tenha severas críticas à (limitada) amplitude classista, étnica, racial e de gênero desses movimentos - me parece de uma tamanha mesquinhez, reacionarismo e conformismo, sem igual. Chega a me dar asco.
OSCAR: Mudanças Sociais no Brasil :D É sempre bom acreditar nelas. Desmonte de ditaduras no norte da África, reivindicações em países europeus questionando a crise econômica crônica, marchas contra corrupção, passeatas pela descriminalização da maconha, paradas pela diversidade sexual e de gênero, manifestos por um mundo mais justo são sempre bem vindos para contestar um sistema econômico e social. Independente dos motivos, o exercício de ir às ruas (espaço público, não privado) já é um avanço incrível nesse contexto que nos assola e oprime TODOS OS DIAS e que nos deixa presos a tantas amarras e pudores frente a transformação. Glaucia, procure o artigo do Arnaldo Jabor que saiu na última terça (6), no caderno 2 do ESTADÃO. É muito bom. Eu adorei.
GLAUCIA: Esses "intelectuais" me dão gastura. hhahaha Mas verei.
ROGÉRIO: Nossa agora meu sensor deu tilt: uma série de argumentos revolucionários redundaram no Jabor. Bizarro! E mais: Jabor = intelectual? Desculpa, não entendi mesmo mais nada agora.
Glaucia e Oscar, toda glória à manifestação popular, óbvio! O que merece ser bem pesado é a real capacidade desses movimentos - muito mais performáticos do que transformadores, além de ser inteligentemente captados pelos jornalões, do jeito... que lhes convém - nos levarem à redenção contra corrupção, safadeza, preconceito, racismo, etc! A catarse coletiva fica muito bem na foto; manter o espírito de mudança, no dia a dia, é algo que custa bem mais (e dá muito menos IBOPE). E de hipocrisia, meus caros, o mundo tá cheio! Grande e sincero abraço!
OSCAR: É, (de fato) na sociedade do espetáculo, o que importa é a performance. Já dizia certa rainha "mais do que ser, é preciso parecer". Assim, como parte dessa sociedade, penso que olhar para o mundo e seus defeitos é também olharmos o que temos de sua podridão. Usemos de suas armadilhas como nossas armas. Até podemos dar um tiro no pé, mas assim teremos um exército numa luta que é de todos. O texto do Arnaldo Jabor retrata bem o espírito e ideologia que se dissolvem com o tempo, seu saudosismo talvez seja desse espetáculo de outrora. E se há saudade, é porque, de alguma forma, ele acredita que ali existiu algo que ultrapassava a performance. Nem que seja uma ótica burguesa, pra mim, até a ilusória mudança social se pensada/feita por qualquer coletivo é válida. São munições para revoluções além dos microespaços, tão desgastantes a todos aqueles tentam colocá-las na prática.
GLAUCIA: Endosso a leitura de: A sociedade do espetáculo - do francês e neomarxista Guy Debord. A luta de classes contemporânea se revela e se reproduz diariamente na aparência, enquanto a melhor forma de apartar as classes. Mais do que ser burguês, é preciso parecer burguês. Mais do que não ser proletariado, é preciso não parecer proletariado. Ora, isso põe em xeque ou acalora o debate acerca de nossas militâncias. Será que a performance faz menor a causa? Confesso que me senti usurpada quando soube, há pouco, que o PSDB estava na manifestação de ontem filmando e fotografando este “furo de reportagem” para seu programa partidário. E igualmente estarrecida com a abordagem dada pela Veja – PiG-mãe do inferno! – na reportagem sobre o pré e pós marcha (me lembrou o próprio Impeachment, incentivada em rede nacional pela TV do Marinho). 
Embora todo o ceticismo de Carta Capital ,
http://www.cartacapital.com.br/politica/a-revolucao-nao-partira-do-vao-livre-do-masp e também de outros veículos centro-esquerda, só me reafirme a ânsia pela crítica ao “movimento da classe média cansada” (que dó de você!) e pelo debate acerca da “classe média hipócrita”, não poderei deixar de concordar com Oscar, quando diz que: “até a ilusória mudança social se pensada/feita por qualquer coletivo é válida” (pondero apenas o pronominal “qualquer”, não posso ser tolerante a todo tipo de coletivo!). Aliás, se é para relativizar, chega a ser mais nonsense ainda os “medianos” (em classe e em pró-atividade), que assistem a marcha pela Rede Globo, julgam-se politizados ao censurar uma marcha forjada e, honestamente, não se interessam e nem conseguem mobilizar a luta contra a corrupção e impunidade no seu cotidiano.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Que história é essa que me contam?

            Teria muito a nos dizer o decênio de dois fatos sobre as transformações sociais experenciadas pela humanidade ou ele nos diz tão pouco quando muito se fala de tais fatos? Bem, a resposta fica sob responsabilidade do leitor caso queira prosseguir nas reflexões.
            2011! Passaram-se dez anos, uma década! E ainda é possível, para alguns, sentir o cheiro do pó e fumaça e ouvir os gritos de desespero. Outros ainda escutam o inconfundível som do alumínio em atrito. Completa-se dez anos do atentado terrorista contra os Estados Unidos, bem como da crise econômica e social de nossos vizinhos portenhos, do panelaço argentino.
            De fato, os fatos não mentem. São provas vivas de vida e até de morte. É preciso enxergá-los além, como se o intransponível não existisse ao tratar das realidades. Pois sob um fato não há apenas uma realidade e sim um conjunto delas que se comunicam sem que precisemos erguer muros entre elas. Acredito ser necessário um questionamento sobre tudo que nos falam sobre os fatos, sobretudo quanto às realidades.
            Curioso pensar, que normalmente, as pessoas preferem as homenagens e críticas póstumas, considerando que só o ponto final confere a realidade de alguém ou de um acontecimento. Teme-se a mudança ou que qualquer realidade desabone ou destoa-se dos feitos ou fatos de que se fala. Ignora-se, assim, que o social e a humanidade estão em transformação, num processo contínuo.
            Buscamos as realidades objetivas, pois nos incomodam as subjetivas.    Nicolescu, em “O manifesto da transdiciplinaridade”, coloca que, quando a objetividade foi instituída como critério supremo da verdade, transformamos o sujeito em objeto. E dessa forma, a morte do homem é o preço do conhecimento objetivo.
            Não há uma realidade, mas inúmeras que, se não buscarmos conhecê-las, permanecerão escondidas ao limitarmo-nos apenas em saber o que nos contam.
            Damián Tabarovsky traz uma reflexão muito interessante em seu artigo publicado na última edição da Ilustríssima da FOLHA de SP sobre a revolução burguesa no início da crise argentina em 2001, quando a classe média saiu às ruas para bater panela reivindicando o dinheiro de suas poupanças. Pergunta-se o autor o que queriam e o que fariam com o dinheiro os garotos vestidos de surfistas e as mulheres que levam seus filhos para escolas particulares e pedem mais policiamento na cidade?
            Em meio às dúvidas, questiono também o que querem aqueles que, mesmo depois de dez anos, reproduzem o mesmo discurso sobre o ataque às torres gêmeas americanas?
            Entendo que os acontecimentos não sejam isolados no tempo, tão pouco onde ocorrem, mas consideremos além dos dados objetivos, suas subjetividades. Porque discorremos tanto dos quase três MIL mortos do ataque aos EUA e pouco falamos dos dois MILHÕES de seres humanos que morrem todos os dias de malária, AIDS e tuberculose?
            Até quando olharemos apenas para as reivindicações dos moradores do Morumbi por políticas de controle? Mais policiais? Mais grades de segurança? Mais praças iluminadas? Mais jardins enfeitados? Para que tudo isso enquanto milhares de pessoas morrem por tantas opressões, de raça, gênero, orientação sexual e, sobretudo, descaradamente e inescrupulosamente, pela opressão de classes? A mim, me parece que repetimos a insignificante lógica da história eurocêntrica que ensinamos às crianças na escola. Olhamos para a realidade com o olhar do outro.
            Florestan Fernandes, em “Mudanças Sociais no Brasil”, relata que a burguesia apropria-se do Estado e implanta até nos seus “inimigos” de classe a condição burguesa. Assim, até os moradores de Paraisópolis (Segunda maior favela de São Paulo, rodeada pelas nobres residências do Morumbi) acharão correto mais policiamento em torno dos casarões. Até a classe mais assolada concordará com a classe burguesa argentina que já havia tirado proveito dos motivos que levaram a crise econômica. Até os familiares de vítimas da malária, AIDS e tuberculose deixarão de falar sobre tais males para tratar do ataque à potência americana.