quarta-feira, outubro 26, 2011

Gruta Dainese - Pelo direito à memoria

Lembro-me como se fosse ontem quando eu e meu irmão gêmeo passávamos as tardes no bairro vizinho ao que fomos criados, ficávamos na casa de uma senhora, a Dona Perpétua, que nos cuidou por nove anos enquanto minha mãe trabalhava. Saíamos quase todas as manhãs da Vila Dainese rumo ao São Roque, primeiro para ir à creche, depois ao parquinho e anos mais tarde para freqüentar a quarta série do ensino fundamental na escola estadual Marcelino Tombi.
São tantas lembranças de infância, como as brincadeiras de rua, as travessuras em meio às árvores e aos grandes, diria gigantescos para época, canos de uma futura obra pública de saneamento no bairro. Não me esqueço quando num entardecer uma cobra surgiu no terreno da casa do nosso amigo Renan. Foi um rebuliço na rua, vizinhos correndo para ver a rastejante que nos parecia uma coral, de listras vermelhas, brancas e pretas. Com sucesso o avô do nosso amigo conseguiu se livrar no animal peçonhento.
Provavelmente, como todos diziam, vinha ela – a cobra - do buracão. Assim era conhecida a região da Gruta Dainese. A ausência de uma identidade para aquele local o transformava num simples orifício que rasgava a terra e corria uma nascente. E de lá surgiam também diversos causos alimentados pela garotada e até pelos idosos. Uma de um gado que teria escorregado em uma das quedas d’água de lá, outra que um garoto ao brincar de trampolim caíra na pequena represa que se formava entre as pedras, mas que nada havia acontecido.
A última vez que estive lá foi nesse ano mesmo, junto a um amigo que mora ao lado da gruta. Eu que sempre fui apaixonado por aquele lugar, não me esqueço de uma frase que ele me disse nesse passeio: “Nossa, tinha até me esquecido como aqui é bonito”. E penso o quão triste é saber que até as pessoas que amam aquele local, porque sei que ele compartilha desse sentimento comigo, esquecem de alguma forma que ele existe.
Daí, entendo que isso se dá por essa desconstrução de identidade local, por exemplo, ao chamarmos de buracão, algo tão genérico que se perde perante o simples significado de todas as coisas que classificamos como um furo, uma abertura. Não é como falar do Jardim Botânico ou do Zoológico Municipal que estão, na medida do possível, preservados. Pelo menos os moradores dos nobres bairros que estão no seu entorno não reclamam. Entende o que quero dizer, caro leitor?
Trata-se de um silêncio público, sobretudo de nossos gestores que transformam a gruta nesse buracão. E para os colegas munícipes que não conhecem tal local eu descrevo-o em apenas algumas palavras. A Gruta Dainese trata-se de uma das maiores, se não a maior área natural de Americana, possui três quedas d’águas, uma delas de 18m de altura, paredões de pedra, bromélias, samambaias, e outras espécies vegetais de mata atlântica. Quando eu mostro algumas fotos que tirei esse ano ninguém acredita que é em Americana. E sabe o que nós munícipes e gestores públicos fazemos dela? Um buracão.
Eu já perdi a conta dos milhares de reais que a gruta já recebeu nos últimos anos, eu particularmente suponho e contabilizo mais de 12 milhões nos últimos dez anos. E nesse tempo só vi cercarem uma parte de seu entorno, com alambrados que hoje nem existem mais, e agora estão construindo uma pista de caminhada às suas margens. Apenas isso. Pergunto-me para onde foram todos os recursos captados nos últimos anos? O que foi feito de educação ambiental e preservação da memória das comunidades do entorno? Quantas mudas de árvores foram plantadas para recuperação da flora, inclusive nas áreas que estão sofrendo erosão?
Desde os tempos de menino, sempre acompanho o que acontece com a gruta e só a vejo nos discursos dos gestores públicos em época de eleição. Um desrespeito total para com os cidadãos, para com suas responsabilidades públicas e profissionais, para com o mundo. Nem mesmo o partido verde (PV) que por seus princípios ambientais deveria cuidar desse patrimônio, nunca vi militar, de fato, por essa causa. Nenhum político até hoje levantou essa bandeira como se fosse a mais importante. O máximo que fazem é serem simpatizantes a uma ação do outro, até porque quem discordará em preservar um patrimônio ambiental? Bem, até alguém querer, já perdemos o direito à nossa memória, consumimos um patrimônio não só ambiental, mas imaterial também, como os contos da meninice.
Vamos salvar a gruta!

Veja mais fotos pelo link: http://turismoamericanasp.blogspot.com/2011/03/gruta-dainese.html

Um trabalho bem interessante que encontrei no YOUTUBE, feito pelo GEFAU, bem diferente do vídeo institucional feito pela Câmara Municipal do município em que, lamentavelmente, os vereadores não sabem nem distinguir a diferença entre Mata Atlântica e Floresta Amazônica.
http://www.youtube.com/watch?v=m1Egv8mKYus&feature=related

quinta-feira, outubro 20, 2011

Imagem do dia: A morte de Gaddafi



Revolucionários contrários ao ditador Muammar Gaddafi - Líbia. Foto: Folha de SP
 
  
Não apenas um mote da revolução francesa, os ideais “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” tornaram-se princípios universais. Estes certamente são defendidos por qualquer movimento que se choque com idéias e formas de governos contrários e antíteses dos valores proclamados por volta dos anos de 1790.
Um governo autoritário e ditatorial, como o de Gaddafi e tantos outros mundo afora, jamais estará alinhado com a liberdade humana, com a igualdade dos povos e com a fraternidade entre pares e etnias múltiplas.
Os revoltantes comemoram hoje a morte do ditador que assolou seu país em 40 anos sobrepondo aos princípios básicos à humanidade suas regalias. Mordomias estas que não se limitavam apenas ao poder soberano na Líbia, mas também ao acúmulo de riqueza em detrimento a pobreza extrema de sua nação, à luxos como inúmeras residências frente a miséria e  ausência de direitos sobre qualquer metro quadrado  por parte de alguns de seus conterrâneos.
Penso o quanto esses revolucionários têm a nos ensinar, não só pela luta por suas próprias vidas, mas por recuperar (ou manter vivo) os propósitos de uma transformação social baseada na ética, no valor humano, nos princípios de salvaguarda de um mundo em constante mudança. Assim, reflito o quanto as amarras, quase imperceptíveis, nos mantém nessa antítese dos ideais: Liberdade, igualdade e fraternidade.
Num contexto de conforto concedido ao custo da manutenção de um sistema, precisamos enxergar as atas que nos prendem e nos mantém alienados e limitados apenas as nossas realidades.  Precisamos nos armar contra as desigualdades ante uma realidade de todos. Penso quantos “Gaddafis” mantêm-se escondidos na maquina pública extorquindo não apenas a riqueza material de um povo, mas seus direitos básicos à vida, ao bem estar, à vivência digna do que vem a ser a experiência humana.  
Sendo assim, iniciativas contemporâneas como as proclamadas pelos atos contra a corrupção serão sempre bem vindas.  E por sorte ou conjuntura não precisamos das armar usadas pelos homens líbios. Cabe pontuar que uma de suas pautas tem a obrigação de ser discutida nas casas de leis – tornar atos corruptos crimes hediondos. Não podemos nos sujeitar a apatia e deixar que representantes públicos saiam ilesos diante de atos que furtam tais direitos. Não podemos aceitar que determinados pseudos ministros e chefes de estado, vulgos sindicalistas e partidários nos roubem o que é de mais digno a pessoa humana – a ética e o compromisso com os ideais coletivos supracitados.
Gostaria que a morte de Gaddafi nos trouxesse a vida, uma vida de esperança que nos salve de uma inércia alienante e que revigore a vontade de militar contra qualquer abuso de poder em qualquer parte do mundo. E mais, que nos mova à ação.