segunda-feira, maio 27, 2013

Fragmentos

(...) É que o aburguesado não suporta ver-se apartado das elites, seja qual for. Se eu acreditasse nos pecados capitais diria que vários deles são muito gulosos, não por nutrição e por esquecerem-se dos miseráveis que passam fome, mas por não estarem nunca satisfeitos, serem exagerados, demasiadamente demagogos. Querem sempre mais, consumo cultural, intelectual, tudo banal.

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É sintoma físico. Ultrapassa a alma, penetra a carne, coopta o Eros e transpassa a pele. É chagas ao deitar, pânico ao levantar. Invade, ocupa e hospeda-se sem que peça, atravessa e dispersa. É nó que sufoca, provoca e tira apetite, difícil de desatar. Prende-nos e liberta-nos em ideias, planos e sonhos. É grito sublimado em suspiro, pulsão de vida e morte. Um querer avassalador e finito. É simples apaixonar-se. Um contato íntimo, mesmo que subjetivo, entre o Eu e o Outro.

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Livre pensar e agir para nossa pequena, quase que insignificante, prática no mundo. Quiçá alçar pelo menos o reconhecimento e conquistar alguns dos frutos daquilo que pretendemos de concreto, pois os sonhos e a ideologia nos saem caros de mais quando um rio já poluído nos trava, mesmo quando almejamos o mesmo destino. Bem dizia Kant, que a liberdade não está dada, ela se constitui em processo. Livre pensar e agir nesse mundo do reconhecimento, atravessado por tantas ideologias que nos travam e nos deixam sem destino.

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Não toca mais os poros, os pelos, o peito. Toca na rádio, no som, na alma. Soa sino, sua pele, soa a sua melodia, sem que interpele e fale. Escuta-se e sente-se.  

terça-feira, maio 21, 2013

Americana no "Proteste Já"


            Ainda que eu não acredite na mídia como modelo de participação política, por ora é um dos poucos meios que tem gerado respostas rápidas aos descasos e desmandes de autoridades públicas. Diante da politicagem contemporânea, em que os votos dizem mais que qualquer ética e compromisso social, não importa a realidade, mas o que se vê e percebe-se dela, mesmo que superficialmente. Mais uma vez, a cidade do espetáculo, da performance, como definiriam alguns autores, move-se apenas por aquilo que se tem visibilidade. Contudo, aprendamos a lidar com o que temos para o agora, objetivamente. Mesmo que carreguemos o peso de uma possível alienação, o pragmatismo nos põe em ação e os movimentos precisam disso. Mais uma vez um escândalo envolvendo a gestão de Americana. E não são poucos os fatos que descredibilizam e deslegitimam a atual gestão. Só para refrescarmos a memória:
            Denúncias de irregularidades nas obras atreladas ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento na Avenida Brasil. Executivo, num retrocesso pela transparência democrática, propõe revogação da lei mentor - a qual obriga a prestação de contas com gastos de publicidade e câmara aprova em bloco pela base aliada. Fantástico mostra a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) de Sorocaba, a qual aponta suspeita de propina com envolvimento do prefeito e secretário da saúde em parceria com a instituição SAS. Ministério Público eleitoral acusa prefeito Diego De Nadai e seu vice de terem praticado caixa 2 na campanha por conta de um montante de R$ 350 mil que não possui comprovação. Ministério Público Federal recebe uma denúncia de fraude no SUS, em que a direção do hospital municipal está "coagindo" médicos a registrar internação mesmo quando os pacientes são atendidos e liberados – para receber repasses do governo federal. Corrupção associada ao projeto 2º tempo, ligados a Federação Paulista de Xadrez (envolvendo R$ 3,4 milhões) – Investigação do MPF de Piracicaba. Nepotismo – Diego De Nadai nomeia irmã como secretária da promoção social e Paulo Chocolate contrata a própria namorada para assessorar a presidência. Diego De Nadai concede por meio de decreto uma área de 120 m² à Frente Regional de Defesa da Cidadania e dos Direitos Sociais cujo líder é seu assessor, Capivara. Esposa do ex-assessor da Prefeitura de Americana, Marco Antonio de Paula (Capivara), ocupa seu cargo após exoneração e recebe mais de R$ 50 mil como funcionária fantasma. Gestão de Diego De Nadai (PSDB) é investigada pela Polícia Civil sob a acusação de fraude na licitação que resultou na terceirização de parte da merenda escolar.
            A de hoje: a cidade aparece no quadro “Proteste já” do CQC por uma obra prometida há dois anos, sem qualquer avanço. Sejamos francos, será que o prefeito de Americana não teria como sanar esse engodo junto ao seu “padrinho” governador tucano? Ele não responde e deixa a tarefa ao seu assessor, que cá pra nós, não responde nada objetivamente. 
- Respostas por avaliação e diagnósticos não dizem nada, nos tragam o parecer e soluções, por favor! 
                Os representantes estão para isso. Curioso pensar que as obras da Avenida Brasil mesmo embargadas tiveram seqüência. Ah, como disse uma entrevistada, foi a eleição! Uma avenida central da cidade tem visibilidade, representa votos, portanto, deve estar bem iluminada! Aliás, com luminárias robustas a cada metro. Uma estrada às margens da cidade quem vê? Dessa vez, por sorte ou azar, dependendo a perspectiva, foi a mídia. E segue o link para vermos a matéria: 


domingo, maio 05, 2013

Beija-flor


Noites curtas e dizeres longos de uma escuta atenta
Diria do teu cheiro e mais um pouco daquilo e disto desta casa
Esquenta quando senta, assenta e acalenta
Ascende aquilo que nos põe em brasa
Roça rosto, roça corpo, roça, fala-me e inventa
O que de nós extravasa e vasa

Fuja, corra e saia daquilo que persegue
Ombros, queixos e cochilo
Raia o sol, deite e deleite-se antes que o amanhã chegue
Ria e sorria ao pensar nisto e naquilo
Eu, tantas coisas e este texto entregue
Abafado, contido, de quase tudo entre nós em sigilo

quinta-feira, maio 02, 2013

Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na luta contra a homofobia


        

         Anteontem ensaiávamos a valsa de debutantes e logo amanhã já completaremos a maioridade. Hoje, aos 17 anos, novamente vamos às ruas para mostrar que ainda temos fôlego para dizer do que nos cala e nos põem a dizer cotidianamente. 
            O Uruguai aprova o casamento homoafetivo, a França torna-se o 14º país a reconhecer igualdade plena entre casais heterossexuais e homossexuais, São Paulo oficializa o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e autoridades de Uganda discutem um projeto de lei sobre a união homossexual. Marco Feliciano, deputado acusado de racismo e homofobia, é pauta nacional e alvo de protestos em várias partes do mundo por ser eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Daniela Mercury assume seu relacionamento com outra mulher. Empresas nacionais associam suas marcas à igualdade mostrando-se a favor do casamento igualitário. Um movimento pelas redes sociais surpreende positivamente: grupos de grandes times de futebol dizem não a intolerância. 
            Se por um lado notamos as mudanças, por outro, observamos as respostas reacionárias às transformações. A frente conservadora, liderada por fundamentalistas religiosos, ascende nas casas legislativas Brasil a fora. Parlamentares encaminham projetos de leis contrariando-se a laicidade do Estado. Internautas, sem qualquer compromisso ético, compartilham depoimentos preconceituosos, sexistas, machistas, homofóbicos e fascistas. Apesar de uma pesquisa do instituto Ifop apontar que 63% dos franceses apóiam o casamento homossexual, centenas de pessoas foram às ruas em protesto contra uma lei que garanta tal direito. Autoridades de Uganda, mesmo com a pressão internacional e de seus próprios cidadãos pelos direitos de homossexuais, realizam discussões de portas fechadas. No IV ato contra Feliciano, na capital paulista, um jovem sozinho atira uma garrafa de coca-cola cheia contra centenas manifestantes que estavam nas ruas. 
            O que leva tantas pessoas saírem de suas casas contra uma lei que garanta o direito a outrem? O que lhes interessa e afeta? De que coragem se vale um sujeito que, individualmente, agride um coletivo? Como se confere o ímpeto em julgar-se mais assertivo, justo e correto que todos os demais? Por que, ainda hoje, discutem-se pautas de interesse comum à surdina? Será que o intervencionismo religioso atroz não está preso a um período histórico, como a Idade Média?
            Se prestarmos atenção no cotidiano, o ataque e violência sobre sujeitos acontecem quando estes já estão desqualificados socialmente. Foi assim que se estabeleceu e tem se mantido a violência nas penitenciárias, a subalternidade dos negros, a agressão doméstica de mulheres, a exclusão dos imigrantes e a violação de direitos de homossexuais, sobretudo colocando-os nas selas, nos campos de concentração, nas cozinhas, nas senzalas e nos guetos, no lugar do não-dito, do invisível, para que sem história e memória não fossem e nem sejam dignos de respeito e direitos. Falamos de sujeitos e minorias que, historicamente e moralmente, são inferiorizados, silenciados e desprestigiados socialmente. Repetimos tais retóricas, pois ainda que consideremos os avanços, não superamos as desigualdades históricas.
            Não podemos negar a existência do abuso de poder e da punição arbitrária daqueles que já são marginalizados pela pobreza. Não é possível que desconsideremos o alto índice de agressão que mulheres são acometidas em suas casas por seus próprios cônjuges. Não é sensato que continuemos a banalizar a dor daqueles que, próximos ou distantes, sofrem por serem refugiados e imigrantes. Não dá mais para fecharmos os olhos diante das falas racistas ao discutirmos cotas raciais. Não podemos apagar os números da violência homofóbica no Brasil. 
            Tudo isso compreende um discurso e história oficial compartilhados hegemonicamente e não podemos estar apáticos ao que nos oprime. As realidades e verdades são múltiplas, próprias de cada um, mas o registro e memória têm sido daqueles que têm o direito em defender a sua voz.        
            Aquele rapaz que, sozinho, agrediu um coletivo, trazia consigo todos esses discursos e histórico de opressão que invisibilizam sujeitos. A ponto de entender-se superior e forte o bastante para atacar. Ele não agiu sozinho e não foram apenas os franceses que o encorajaram e legitimaram, mas Feliciano, Bolsonaro, Silas Malafaia, etc. 
            Contudo, há de se pontuar também as glórias. Marcos Feliciano nos uniu! Mulheres e homens; negros e brancos; heterossexuais e homossexuais; brasileiros e estrangeiros; militantes, partidários e apartidários se somaram nas ruas de capitais, das cidades interioranas, e até fora do país, para dizer que “A nossa luta é todo dia, contra o racismo, o machismo e a homofobia”. Por isso, não se trata apenas de sua permanência, mas de históricos de militância pelos Direitos Humanos e pela promoção de minorias.
            Assim, reforçamos o Direito à Igualdade e o Direito de não sofrer privação arbitrária da liberdade. Marchamos para reivindicar que o Estado brasileiro cumpra com os princípios de Yogyakarta, conforme documento publicado, em 2006, pela ONU – Organização das Nações Unidas.   Pois, não admitimos mais o gueto e a subalternidade. Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na luta contra a homofobia.


Fábio Ortolano. Assistente de comunicação da APOGLBT e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP. Pesquisa as concepções de Sexualidade e Direitos Humanos de participantes das Paradas LGBT de São Paulo e Campinas.