segunda-feira, setembro 09, 2013

As comemorações de sete de setembro, Marco Feliciano e a elite americanense: A ordem e o valor neoliberal



Americana-SP e o neoliberalismo

            Há algum tempo venho ensaiando escrever sobre a aceleração no processo de imersão de Americana-SP no neoliberalismo. Não que isto seja uma novidade para o município, afinal desde seu processo de ascensão na década de 50, quando se destacou como pólo têxtil na América Latina e cidade de maior desenvolvimento no país, já delineava em sua história uma aproximação ao sistema capitalista. Na ocasião em que vivíamos o auge da industrialização, tínhamos como prefeito Antonio Pinto Duarte, de família tradicional no município e que muito se beneficiou do acúmulo de capital. Na mesma década iniciou-se a construção da Matriz Santo Antônio de Pádua, cujas paredes foram pintadas pelos irmãos italianos Pedro e Uldorico Gentilli, sendo hoje a maior igreja em estilo neoclássico do país. Detalhe: é preciso pontuar a origem européia. Assim, já elucidamos como os valores tradição, família e propriedade vão se enraizando em nossa cultura local.
            Por sorte ou conseqüência da redemocratização do país, durante gestões passadas, sobretudo sob o governo de um ex-preso político da ditadura militar, Waldemar Tebaldi (PT, PDT e PMDB), as políticas sociais frearam ou, de certa maneira, amorteceram os impactos da transformação das coisas em mercadoria. O tripé saúde-educação-habitação que norteava as principais políticas públicas da época dizia de um Estado, ainda que com problemas, presente. Entretanto, no desenrolar do processo histórico, mudou-se os governos e também as perspectivas do planejamento urbano. Já na gestão de Erich Hetzl Júnior (PDT), sucessor póstumo de Tebaldi, mudou-se os rumos de Americana. Eu mesmo, enquanto estagiário de ensino médio, acompanhei o sucateamento de dois projetos sociais que trabalhava, “Orientação e Vivência” e “Adolescentes”, da secretaria de promoção social. De um ano para outro, de 17 bairros contemplados com os projetos, apenas 05 continuaram a desenvolver as atividades e atender as crianças e adolescentes que estavam filiadas ao programa federal de erradicação do trabalho infantil – PETI.
            Se o Estado já anunciava sua retirada neste último cenário, é nas gestões de Diego De Nadai (PSDB) que ele oficializa sua ausência, seja pelas parcerias público-privadas no trato da saúde pública e transferência de suas responsabilidades ou na venda dos espaços públicos e da cidade como um todo na publicidade performática – que oferece o espaço como mercadoria de investimento. Adentramos, nos últimos anos, num dos caminhos mais perverso e traiçoeiro do capitalismo, em que significamos tudo como mercadoria, orientados por uma lógica competitiva de mercado.
            Atenção! Isso não significa que não transformemos a realidade, nem que ela seja em sua totalidade má. Contudo, é preciso notar a distinção entre a mudança social e a mobilidade social. Enquanto a primeira orienta-se pela transformação coletiva e alteração da percepção e do contexto comum, a segunda prima pela ascensão pessoal, do individuo pelo individuo. Daí, ainda que tenha reflexos sobre o coletivo, sua perspectiva atente o ideal burguês, capitalista e egocêntrico, responde a um projeto de vida e destino sócio-individual, ou seja, individualista.

As comemorações de sete de setembro, Marco Feliciano e a elite americanense: A ordem e o valor neoliberal

            Três fatos ocorridos neste último sábado (7) em Americana-SP ilustram como todos eles estão interligados, concatenados por uma ideologia que atravessa nossa experiência cotidiana. As comemorações da independência nacional e os protestos daqueles que contestam a história oficial e a ordem vigente, a vinda do deputado federal Marco Feliciano (PSC) para o 20º Congresso da UMADAME (União da Mocidade da Assembléia de Deus de Americana) na igreja evangélica Assembléia de Deus - Ministério de Belém e o lazer de jovens burgueses num barzinho desses com mesas na calçada.
            Os registros das comemorações de 07 de setembro desse ano trazem algo histórico no país: Não foram as imagens alegóricas alusivas à ordem, daqueles que desfilam, muitas vezes alienados à realidade nacional e local, ostentando um valor social forjado pela suposta independência, que tomou conta da produção discursiva a respeito, inclusive na mídia internacional. Foi sua negação, sua parte antagônica, o protesto desalinhado ao hegemonicamente ordenado e daqueles que não compactuam com esse consenso imaginário de uma realidade justa e glorificada.
            Comemoramos a independência nacional e mal concebemos a liberdade em nosso cotidiano. Estes protestos falam disso. Não somos mais a colônia lusitana da America. O nosso colono agora é o Mercado, que dita tudo como mercadoria. Nesse processo, desconstruímos o Outro e o público, pois consideramos sua importância apenas como mercadorias. Adquirirmos namorados(as), amigos(as), parceiros(as), sócios(as), grifes universitárias, parques e praças higienizados, etc. Pouco nos interessam aqueles e aquilo que não compreende o nosso círculo e cenário de sociabilidade.  
            Não nos interessam porque não fazem parte desse projeto de vida e destino sócio-individual. A ausência do Estado e o controle do mercado acirram a competição como forma de existir e viver no mundo. Para as elites pouco importa se a educação, a saúde e o lazer não são mais responsabilidades do Estado, afinal, quando se paga, de um jeito ou de outro, se têm o esperado dentro de um sistema capitalista – e o esperado também é uma construção social que se transforma nos processos históricos. Atualmente, consumimos desenfreadamente e irracionalmente numa inércia que nos atropela e nos deixa apáticos à critica social e de nós mesmos.
            Em Americana multiplicam-se os grandes supermercados em todos os bairros; pipocam as vendas dos planos de saúde, eleva-se o número de carros alusivos aos tanques de guerra – potência necessária para proteção da família num cenário de guerrilha urbana -, de salões de beleza e clínicas de estética; aumenta a especulação imobiliária de uma cidade dormitório – E pasmem! Ainda vendemos os espaços públicos. É o projeto de vida e destino sócio-individual que reforça aquele velho valor: tradição, família e propriedade.   
           E o que sobra aos sem nome, sem o modelo de “família Doriana” e sem propriedade? O desejo de consumir todas essas coisas, óbvio. Não à toa, esse valor socialmente construído atravessa a cultura, as religiões e o Estado. Todos nós somos co-produtores dessa realidade e desse valor socialmente estabelecido e instituído como meta de alcance pessoal. Desde os pagantes dos planos de saúde e dos boletos de escolas privadas aos marginalizados que demandam as políticas sociais.
            Nessa perspectiva, sobrevivem os mais aptos, ou seja, aqueles que consomem. Consumimos lugares, educação, pessoas, saúde e bem-estar e até crenças. Não que a fé não tenha seu mérito e relevância – que isso fique bem claro – mas as crenças muitas vezes nos respondem ou confortam diante da nossa incapacidade de olhar o Outro, da nossa irresponsabilidade sobre si e o mundo. Projetamos tudo como vontade divina, de forma que justifiquemos nossa exclusão e marginalidade, sejam compulsórias ou voluntárias. 
         Não por acaso, concomitantemente a ascensão neoliberal, eleva-se o número de igrejas neopentecostais.   Com o Estado ausente e os sujeitos despontencializados para participação política e para intervenção na realidade, as igrejas aparecem como soluções ao caos. Estas representam bem o mercado, pois tratam dos fiéis como consumidores passivos, apenas como sujeitos contemplados com seus produtos/serviços. Deturpa-se, assim, o manejo das demandas sociais, antes sob controle do Estado/cidadãos e nesse contexto aos cuidados das igrejas/mercado.
            Entendamos, a partir de um exemplo local: Na última sessão ordinária do legislativo americanense, o vereador Thiago Brochi (PSDB) e o presidente da Câmara Paulo S. V. Neves – Paulo Chocolate - (PSC), no momento em que discutiam a concessão de locais públicos a igrejas evangélicas, falaram da importância do trabalho de tais instituições ao bem social. Ora, demanda social não é caridade de instituições religiosas, é obrigação do Estado! Contudo, as opiniões de tais legisladores não são de se estranhar, apesar de serem absurdas. Incoerentemente, eles não falam do trabalho do Estado, como deveriam, o projetam a outrem, no caso às igrejas, desvirtuando como deve ser o atendimento das demandas sociais, não mais como obrigação do Estado, em que a população é co-responsável, mas como caridade e benfeitoria de sujeitos e entidades benevolentes. Nesse cenário, o cidadão passivo é consumidor e beneficiário do que almeja. A tutela religiosa é compreensível, pois desempodera os sujeitos sobre sua realidade e desconstrói sua consciência política de participação, empoderando, em contrapartida, os líderes e o mercado.
            E todos nós sabemos como se conduzem os rebanhos na busca por votos. Não é mesmo? Marco Feliciano disse com todas as letras, durante o culto, que nas próximas eleições pretende ser o deputado com mais votos no estado de São Paulo. E para tanto, juntamente com alguns colegas disse algumas mentiras, todas ao som orquestrado de forma a fortalecer o contágio emocional. Feliciano vociferou que hoje as escolas brasileiras representam um mal por corromperem os valores morais e que as crianças devem estar mais tempo próximas aos pais e à família, esquecendo-se de que a maior parte dos pais das crianças em tempo de escola no Brasil trabalha e não possui condições como ele de enviar seus filhos para outro país. Além disso, deixou de dizer que a educação brasileira vai mal também por conta do descaso crônico de nossas autoridades – como ele – que cada vez mais faz do Estado um aliado do mercado. O pastor comentou que a mídia e o movimento LGBT têm o perseguido por seus valores fundamentarem-se numa doutrina milenar. Mentira! Desde quando a grande mídia ocidental não está totalmente atravessada pelas doutrinas cristãs? Haja vista, como exemplo, a “católica” Rede Globo e a evangélica Record.  Ademais, fora os boçais fundamentalistas, quais são os líderes religiosos que o movimento LGBT persegue? Bem, mas como contestar essas mentiras num culto que até orquestra embala o discurso do pastor? Tudo vira uma falácia.
          Ao mesmo tempo em que o coro dizia amém, alguns cidadãos estavam na delegacia por conta da prisão de militantes do protesto de 07 de setembro. Militantes estes que muito têm a ensinar sobre democracia, pois na mesma sessão em que os vereadores acima mencionados discutiam projetos de lei enviados a toque de caixa pelo executivo, os mesmos militantes refletiam sobre as conseqüências e implicações de tais projetos a população. De um lado, o "Pulta Catraca" e outros coletivos têm mostrado que democracia não se faz pelo consenso e sim por um dissenso em que as múltiplas perspectivas são respeitadas, sem oportunismos políticos. Do outro, curiosamente, os mesmos políticos que criminalizam os movimentos sociais, são aqueles que encaminham seus capangas para sufocar qualquer reivindicação popular que não seja a do seu interesse, que participam de cultos e missas aos domingos e que defendem a família e os bons costumes.
         E enquanto uns protestavam e alguns faziam uso da força e ordem arbitrária, outros consumiam naqueles bares com mesas na calçada. Estes quase todos com o mesmo perfil fenotípico produzido - modelos de uma juventude burguesa de Americana – tradicional, elitista e classista. E ali se viam aqueles rostinhos que saem na coluna social do Wagner Sanches e os carros de guerra estacionados, alguns com aqueles adesivos da família ou com inscrições religiosas.