segunda-feira, abril 07, 2014

A expansão de um regime da sexualidade

                  Não tenho pra mim uma resposta clara, mas sinto que, de fato, estamos se não em um novo - o que Sérgio Carrara nos fala - mas num regime da sexualidade expandido daquele que Foucault nos apresenta em “A história da sexualidade I: A vontade de saber”.
            Não são apenas nos consultórios médicos, nem nos prostíbulos, tão pouco nos confessionários, que o puritanismo burguês têm posto as sexualidades ilegítimas. Hoje outros saberes e códigos compõem esse regime, no controle dos corpos e populações. As imagens e discursos de uma sociedade do espetáculo têm criado novas representações e patologias. Entramos numa nova ou modificada economia discursiva sobre o sexo e a sexualidade, em que as pessoas publicam imagens de seus corpos, constroem identidades atomizadas a partir das redes sociais, criam páginas para análise dos perfis, leia-se dos corpos, de sujeitos que participam dos aplicativos de relacionamento/sexo, questionam o abuso sexual sem sequer conceber o que é o abuso, falam da pedofilia e do abusador como novos focos de transtorno mental ou desvio à norma.
            Laqueur estava certo, a política, compreendida como disputa de poder, cria novas formas de construir o sujeito e as realidades sociais. “O sexo é situacional, explicável apenas dentro do contexto de luta sobre gênero e poder”.
            A sexualidade já não se encontra apenas confiscada pela família conjugal, ainda que esta ainda seja altamente reivindicada, haja vista as falas e pautas de campanhas fundamentalistas proferidas e multiplicadas por alguns legisladores e seus seguidores, mas também nas imagens e discursos que operam novos modelos de experiência da sexualidade no cotidiano.
            Até que ponto as críticas direcionadas ao comercial do governo do estado de São Paulo sobre o transporte metropolitano, em que falavam do "xaveco" nas linhas de trem e metrô, não estão carregadas de uma forjada moralidade? Se “xavecar” é significado como intenção de assédio sem consentimento, o que fazemos nas casas noturnas, nos bares e nos espaços de sociabilidade em geral?
            Posto isso, alinhado a Laqueur, penso que não haveria a possibilidade em falar de sexualidade, sexo e gênero, sem tratar de um projeto político que compreende tais constructos sociais de um regime em expansão. Parece-me que nessa sociedade do espetáculo, parte do capitalismo, em que as relações são mediadas pelas trocas e pelas imagens, estas últimas representam a mercadoria que comercializamos na vivência de nossa sexualidade.
            E como nos coloca Debord, “o mentiroso enganou a si mesmo”. Em nossa realidade atomizada, perdemos a noção da totalidade e criamos novas formas de controle e subjugação, marginalização e patologização dos sujeitos. E os discursos de autoridade, da medicina, do direito, da pastoral cristã e de novos saberes que se pretendem como hegemônicos, ainda são partes desse regime. Agora, multiplicados pelas imagens e redes sociais.