quinta-feira, julho 24, 2014

O levante conservador: um problema ao multiculturalismo

            Três fatos, dentre inúmeros recorrentes nos últimos dias, podem nos exemplificar um levante conservador que estamos vivendo no país. Isso é um problema ao multiculturalismo e eu explico.
            Nessa semana um cara na academia disse, sem qualquer pudor social, que mulher deveria obedecer ao marido, dar-lhe sempre carinho sem reclamações e que o homem é a autoridade no lar, devendo ela apenas cuidar dos filhos, pois essa é sua obrigação “natural”. Acrescentou que feministas são chatas e mal amadas. Todo seu discurso estava atravessado de ignorância e rancor, desqualificando as mulheres como sujeitos morais. Para quem queira saber mais, até 1800 se explicava a mulher como o sexo invertido, inferior. Depois, passou-se a explicar a distinção dos sexos e dos gêneros, colocando-a presa no lar, no privado, enquanto os homens são educados para o público. Tudo isso, nada mais é que construções discursivas para exercício do poder e da dominação.
            Em 07 de julho foi aprovada uma lei que institui a leitura da bíblia diariamente em escolas públicas de Nova Odessa pelo legislativo local. Curiosamente, na mesma semana uma igreja em Sabará, Minas Gerais, foi invadida e depredada por evangélicos que alegaram serem contra o culto a santos. É uma nova colonização e imposição de valores, tal como quando os europeus vieram catequizar os índios e, praticamente, extinguiram sua/nossa cultura. Fez bem o prefeito em vetar, uma vez que o Estado é laico e não podemos acatar uma crença como hegemônica. 
            Esses dias um conhecido destilou todo seu preconceito numa rede social ao ler uma postagem na qual digo que a funkeira Valesca Popozuda é uma diva, pois para ele, a cantora é uma puta. Valesca aparece numa foto lendo Madame Bovary, de Flaubert, uma obra do século XIX que conta a história de uma mulher que, mesmo sonhadora, não se submete às imposições de uma moral hipócrita. Bem, mas ainda que ela fosse puta, que não é o caso, poderia sim ser diva. A divindade é um significado social.
            Tais fatos representam uma afronta ao multiculturalismo, que diz da coabitação de múltiplas culturas num mesmo lugar. E, em linhas gerais, cultura é um conjunto de práticas, crenças, valores, manifestações artísticas e intelectuais transmitidos entre gerações.  Não existe uma mais importante que a outra. Num mundo tão diverso como o nosso, as religiões, os modos de viver e as subjetividades de cada indivíduo devem ser respeitados e salvaguardados. Não faz sentido falar em alguém que deve submissão a outrem, nem em imposição de uma crença, tão pouco julgar aquele que não conhecemos.