quinta-feira, março 29, 2012

Educação e sujeitos

A conjuntura atual da educação no Brasil vem sendo pautada em discussões acadêmicas, nos discursos do cotidiano de senso comum, nas mídias, etc. Almeida (2005) nos traz uma percepção consensual em todos esses discursos entendem a educação brasileira como de má qualidade, a qual é compreendida pelos aspectos de eficiência, eficácia e produtividade. O autor reflete e questiona tal conceito e aspectos dessa qualidade influenciadora dos contextos e sujeitos. Algo que trataremos adiante.
Conseqüentemente os atores envolvidos tornam-se alvos de críticas e analises, sejam elas embasadas e elaboradas ou aquelas mais rasas. Isso nos remete um comentário da filósofa, psicanalista e poeta, Viviane Mosé, que, ao refletir sobre os males do mundo numa entrevista concedida ao programa Provocações, considera ser responsável pela sua compreensão, o pensamento Socrático-Platônico-Aristotélico, o qual coloca na linguagem ocidental uma estrutura de sujeito, verbo e predicado, em que sempre há um sujeito causador de alguma coisa.
Sendo assim, se pensarmos na realidade da educação, tanto em nosso território como em qualquer parte do globo, sempre associaremos os fatos aos sujeitos. Dessa maneira podemos pensar em coletivos, o que seria mais óbvio ao tratar de um contexto social. Certamente o coletivo de educadores, trabalhadores dedicados a docência serão referências em potencial ao se refletir sobre educação.
Ferreira (2011), referindo-se aos trabalhadores de educação, considera-os sujeitos adoecidos, alienados ao trabalho, às políticas estatais e como um ser político e agente histórico. O autor nos pontua algumas definições estabelecidas na década de 90 para educadores, numa fase de “proletarização” dos docentes, enxergando-os como “semi-profissionais”, pois se entendia nessa visão a existência de duas categorias, a de funcionários e a de proletários, em que o primeiro tinha autonomia e controle do processo de trabalho e o segundo que não possuía os meios de produção e vendia sua força trabalho.
Entretanto, essa idéia na perspectiva marxista está errada, pois todos aqueles que não possuem os meios de produção próprios são proletários, como pontua Ferreira (2011). Este considera, ainda, que o processo atual não é o de transformação dos docentes em proletários, pois eles sempre assim foram, mas sim, de aprofundamento da alienação e da precarização de suas vidas e condições de trabalho.
E isso acaba sendo reforçado pelo próprio discurso dos atores envolvidos, sejam eles educadores, educandos ou qualquer outro membro da comunidade escolar e pessoas externas, como autoridades públicas, comunidade civil, etc. E sendo o discurso uma produção social, constituído na relação linguagem-história-sujeito, entendemos o mesmo como uma forma de significação da realidade e dos próprios indivíduos, portanto, ao falarmos da violência existente na escola, dos currículos mal formulados, do adoecimento dos professores, estamos reforçando e afirmando uma idéia de espaço problemático e de sujeitos “patologizados”.
Foucault (1988), ao tratar da história da sexualidade, nos apresenta o discurso como lugar do poder. Quando mais se falou em sexualidade no ocidente, mais esta foi reprimida, pois colocou em discurso a norma, os parâmetros de normalidade, pois ela precisava ser vigiada.
Almeida (2005), ainda que não tenha olhado por tal perspectiva, aproximou-se, em certa medida, de um dos pontos da reflexão de Foucault, pois coloca que a concepção de qualidade tem sido construída a partir de modelos, o qual pressupõe parâmetros para sua avaliação. Dessa forma, os discursos sobre qualidade e reforma da educação visam uma padronização e universalização da matriz educacional. Ignora-se a subjetividade da maneira ser-estar, a singularidade humana e particularidades de certas comunidades. Ou seja, reforça um mal estar, pois exclui ou visa transformar o que ou quem se difere do modelo, pois a educação, os educares e o alunado também devem ser vigiados.
Tal autor defende que o ideal de qualidade é a não comparação, a incomensurabilidade, pois não se compara singularidades. E no sentido ontológico do ponto de vista de qualidade ninguém é melhor que ninguém. Sendo assim, para ele é preciso ir à contramão desses discursos de melhoria da qualidade na educação, pensando numa qualidade das singularidades humanas. É preciso aceitar e respeitar as subjetividades associadas ao ser-estar, não como uma unicidade, mas como uma multiplicidade de singularidades, sem hierarquias de seres humanos e povos.
É preciso enxergar e dar autonomia aos atores da educação, não silenciá-los quando mais se fala em educação. E não estar alienado é também não render-se ao que está dado, inclusive quando se trata de qualidade. Deve-se contestar, pois por mais que as condições de trabalho estejam precarizadas é preciso considerar que não se trata apenas de alguém que causou alguma coisa, como nos sugeriria as estruturas de linguagem baseadas no pensamento Socrático-Platônico-Aristotélico, ainda que os discursos sejam parte da significação da realidade e sujeitos. Para mudar o que consideramos precário necessitamos primeiro julgar o que seja qualidade para nossa vivência e experiência humana no mundo. 

  • ALMEIDA, D. M. de. Subjetividade e discurso da qualidade educacional: contra a difamação docente (2005). 
  • FERREIRA, C. R. Pauperização e alienação do trabalho docente: contradições e perspectivas para o movimento dos trabalhadores de educação (2011).
  • VIVIANE MOSÉ em entrevista concedida à  Antônio Abujamra no programa Provocações (TV Cultura):