segunda-feira, setembro 09, 2013

As comemorações de sete de setembro, Marco Feliciano e a elite americanense: A ordem e o valor neoliberal



Americana-SP e o neoliberalismo

            Há algum tempo venho ensaiando escrever sobre a aceleração no processo de imersão de Americana-SP no neoliberalismo. Não que isto seja uma novidade para o município, afinal desde seu processo de ascensão na década de 50, quando se destacou como pólo têxtil na América Latina e cidade de maior desenvolvimento no país, já delineava em sua história uma aproximação ao sistema capitalista. Na ocasião em que vivíamos o auge da industrialização, tínhamos como prefeito Antonio Pinto Duarte, de família tradicional no município e que muito se beneficiou do acúmulo de capital. Na mesma década iniciou-se a construção da Matriz Santo Antônio de Pádua, cujas paredes foram pintadas pelos irmãos italianos Pedro e Uldorico Gentilli, sendo hoje a maior igreja em estilo neoclássico do país. Detalhe: é preciso pontuar a origem européia. Assim, já elucidamos como os valores tradição, família e propriedade vão se enraizando em nossa cultura local.
            Por sorte ou conseqüência da redemocratização do país, durante gestões passadas, sobretudo sob o governo de um ex-preso político da ditadura militar, Waldemar Tebaldi (PT, PDT e PMDB), as políticas sociais frearam ou, de certa maneira, amorteceram os impactos da transformação das coisas em mercadoria. O tripé saúde-educação-habitação que norteava as principais políticas públicas da época dizia de um Estado, ainda que com problemas, presente. Entretanto, no desenrolar do processo histórico, mudou-se os governos e também as perspectivas do planejamento urbano. Já na gestão de Erich Hetzl Júnior (PDT), sucessor póstumo de Tebaldi, mudou-se os rumos de Americana. Eu mesmo, enquanto estagiário de ensino médio, acompanhei o sucateamento de dois projetos sociais que trabalhava, “Orientação e Vivência” e “Adolescentes”, da secretaria de promoção social. De um ano para outro, de 17 bairros contemplados com os projetos, apenas 05 continuaram a desenvolver as atividades e atender as crianças e adolescentes que estavam filiadas ao programa federal de erradicação do trabalho infantil – PETI.
            Se o Estado já anunciava sua retirada neste último cenário, é nas gestões de Diego De Nadai (PSDB) que ele oficializa sua ausência, seja pelas parcerias público-privadas no trato da saúde pública e transferência de suas responsabilidades ou na venda dos espaços públicos e da cidade como um todo na publicidade performática – que oferece o espaço como mercadoria de investimento. Adentramos, nos últimos anos, num dos caminhos mais perverso e traiçoeiro do capitalismo, em que significamos tudo como mercadoria, orientados por uma lógica competitiva de mercado.
            Atenção! Isso não significa que não transformemos a realidade, nem que ela seja em sua totalidade má. Contudo, é preciso notar a distinção entre a mudança social e a mobilidade social. Enquanto a primeira orienta-se pela transformação coletiva e alteração da percepção e do contexto comum, a segunda prima pela ascensão pessoal, do individuo pelo individuo. Daí, ainda que tenha reflexos sobre o coletivo, sua perspectiva atente o ideal burguês, capitalista e egocêntrico, responde a um projeto de vida e destino sócio-individual, ou seja, individualista.

As comemorações de sete de setembro, Marco Feliciano e a elite americanense: A ordem e o valor neoliberal

            Três fatos ocorridos neste último sábado (7) em Americana-SP ilustram como todos eles estão interligados, concatenados por uma ideologia que atravessa nossa experiência cotidiana. As comemorações da independência nacional e os protestos daqueles que contestam a história oficial e a ordem vigente, a vinda do deputado federal Marco Feliciano (PSC) para o 20º Congresso da UMADAME (União da Mocidade da Assembléia de Deus de Americana) na igreja evangélica Assembléia de Deus - Ministério de Belém e o lazer de jovens burgueses num barzinho desses com mesas na calçada.
            Os registros das comemorações de 07 de setembro desse ano trazem algo histórico no país: Não foram as imagens alegóricas alusivas à ordem, daqueles que desfilam, muitas vezes alienados à realidade nacional e local, ostentando um valor social forjado pela suposta independência, que tomou conta da produção discursiva a respeito, inclusive na mídia internacional. Foi sua negação, sua parte antagônica, o protesto desalinhado ao hegemonicamente ordenado e daqueles que não compactuam com esse consenso imaginário de uma realidade justa e glorificada.
            Comemoramos a independência nacional e mal concebemos a liberdade em nosso cotidiano. Estes protestos falam disso. Não somos mais a colônia lusitana da America. O nosso colono agora é o Mercado, que dita tudo como mercadoria. Nesse processo, desconstruímos o Outro e o público, pois consideramos sua importância apenas como mercadorias. Adquirirmos namorados(as), amigos(as), parceiros(as), sócios(as), grifes universitárias, parques e praças higienizados, etc. Pouco nos interessam aqueles e aquilo que não compreende o nosso círculo e cenário de sociabilidade.  
            Não nos interessam porque não fazem parte desse projeto de vida e destino sócio-individual. A ausência do Estado e o controle do mercado acirram a competição como forma de existir e viver no mundo. Para as elites pouco importa se a educação, a saúde e o lazer não são mais responsabilidades do Estado, afinal, quando se paga, de um jeito ou de outro, se têm o esperado dentro de um sistema capitalista – e o esperado também é uma construção social que se transforma nos processos históricos. Atualmente, consumimos desenfreadamente e irracionalmente numa inércia que nos atropela e nos deixa apáticos à critica social e de nós mesmos.
            Em Americana multiplicam-se os grandes supermercados em todos os bairros; pipocam as vendas dos planos de saúde, eleva-se o número de carros alusivos aos tanques de guerra – potência necessária para proteção da família num cenário de guerrilha urbana -, de salões de beleza e clínicas de estética; aumenta a especulação imobiliária de uma cidade dormitório – E pasmem! Ainda vendemos os espaços públicos. É o projeto de vida e destino sócio-individual que reforça aquele velho valor: tradição, família e propriedade.   
           E o que sobra aos sem nome, sem o modelo de “família Doriana” e sem propriedade? O desejo de consumir todas essas coisas, óbvio. Não à toa, esse valor socialmente construído atravessa a cultura, as religiões e o Estado. Todos nós somos co-produtores dessa realidade e desse valor socialmente estabelecido e instituído como meta de alcance pessoal. Desde os pagantes dos planos de saúde e dos boletos de escolas privadas aos marginalizados que demandam as políticas sociais.
            Nessa perspectiva, sobrevivem os mais aptos, ou seja, aqueles que consomem. Consumimos lugares, educação, pessoas, saúde e bem-estar e até crenças. Não que a fé não tenha seu mérito e relevância – que isso fique bem claro – mas as crenças muitas vezes nos respondem ou confortam diante da nossa incapacidade de olhar o Outro, da nossa irresponsabilidade sobre si e o mundo. Projetamos tudo como vontade divina, de forma que justifiquemos nossa exclusão e marginalidade, sejam compulsórias ou voluntárias. 
         Não por acaso, concomitantemente a ascensão neoliberal, eleva-se o número de igrejas neopentecostais.   Com o Estado ausente e os sujeitos despontencializados para participação política e para intervenção na realidade, as igrejas aparecem como soluções ao caos. Estas representam bem o mercado, pois tratam dos fiéis como consumidores passivos, apenas como sujeitos contemplados com seus produtos/serviços. Deturpa-se, assim, o manejo das demandas sociais, antes sob controle do Estado/cidadãos e nesse contexto aos cuidados das igrejas/mercado.
            Entendamos, a partir de um exemplo local: Na última sessão ordinária do legislativo americanense, o vereador Thiago Brochi (PSDB) e o presidente da Câmara Paulo S. V. Neves – Paulo Chocolate - (PSC), no momento em que discutiam a concessão de locais públicos a igrejas evangélicas, falaram da importância do trabalho de tais instituições ao bem social. Ora, demanda social não é caridade de instituições religiosas, é obrigação do Estado! Contudo, as opiniões de tais legisladores não são de se estranhar, apesar de serem absurdas. Incoerentemente, eles não falam do trabalho do Estado, como deveriam, o projetam a outrem, no caso às igrejas, desvirtuando como deve ser o atendimento das demandas sociais, não mais como obrigação do Estado, em que a população é co-responsável, mas como caridade e benfeitoria de sujeitos e entidades benevolentes. Nesse cenário, o cidadão passivo é consumidor e beneficiário do que almeja. A tutela religiosa é compreensível, pois desempodera os sujeitos sobre sua realidade e desconstrói sua consciência política de participação, empoderando, em contrapartida, os líderes e o mercado.
            E todos nós sabemos como se conduzem os rebanhos na busca por votos. Não é mesmo? Marco Feliciano disse com todas as letras, durante o culto, que nas próximas eleições pretende ser o deputado com mais votos no estado de São Paulo. E para tanto, juntamente com alguns colegas disse algumas mentiras, todas ao som orquestrado de forma a fortalecer o contágio emocional. Feliciano vociferou que hoje as escolas brasileiras representam um mal por corromperem os valores morais e que as crianças devem estar mais tempo próximas aos pais e à família, esquecendo-se de que a maior parte dos pais das crianças em tempo de escola no Brasil trabalha e não possui condições como ele de enviar seus filhos para outro país. Além disso, deixou de dizer que a educação brasileira vai mal também por conta do descaso crônico de nossas autoridades – como ele – que cada vez mais faz do Estado um aliado do mercado. O pastor comentou que a mídia e o movimento LGBT têm o perseguido por seus valores fundamentarem-se numa doutrina milenar. Mentira! Desde quando a grande mídia ocidental não está totalmente atravessada pelas doutrinas cristãs? Haja vista, como exemplo, a “católica” Rede Globo e a evangélica Record.  Ademais, fora os boçais fundamentalistas, quais são os líderes religiosos que o movimento LGBT persegue? Bem, mas como contestar essas mentiras num culto que até orquestra embala o discurso do pastor? Tudo vira uma falácia.
          Ao mesmo tempo em que o coro dizia amém, alguns cidadãos estavam na delegacia por conta da prisão de militantes do protesto de 07 de setembro. Militantes estes que muito têm a ensinar sobre democracia, pois na mesma sessão em que os vereadores acima mencionados discutiam projetos de lei enviados a toque de caixa pelo executivo, os mesmos militantes refletiam sobre as conseqüências e implicações de tais projetos a população. De um lado, o "Pulta Catraca" e outros coletivos têm mostrado que democracia não se faz pelo consenso e sim por um dissenso em que as múltiplas perspectivas são respeitadas, sem oportunismos políticos. Do outro, curiosamente, os mesmos políticos que criminalizam os movimentos sociais, são aqueles que encaminham seus capangas para sufocar qualquer reivindicação popular que não seja a do seu interesse, que participam de cultos e missas aos domingos e que defendem a família e os bons costumes.
         E enquanto uns protestavam e alguns faziam uso da força e ordem arbitrária, outros consumiam naqueles bares com mesas na calçada. Estes quase todos com o mesmo perfil fenotípico produzido - modelos de uma juventude burguesa de Americana – tradicional, elitista e classista. E ali se viam aqueles rostinhos que saem na coluna social do Wagner Sanches e os carros de guerra estacionados, alguns com aqueles adesivos da família ou com inscrições religiosas.  

quarta-feira, julho 24, 2013

Psicologia dos Movimentos Sociais e as Paradas LGBT de São Paulo e Campinas

Resumo

Tendo em vista que os movimentos sociais são constituídos a partir da adesão particular na construção de uma consciência política coletiva, apontamos as influências dos contextos internos e externos que se dão no cotidiano, as quais delimitarão as ações coletivas, estas compostas tanto pelas subjetividades individuais e pelas conjunturas sociais que as rodeiam. Refletir sobre a psicologia dos movimentos sociais remete-nos a pensar em todas as consciências, individuais e coletivas, que compreendem os movimentos, a partir de sujeitos que, individualmente e em coletivo, os produz. As paradas do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais são constituídas a partir de diversos contextos e por indivíduos que trazem suas escolhas e sentidos de si, bem como os significados construídos coletivamente, que influenciam a relação entre eles e as ações presentes no movimento.

Palavras-chave

Paradas LGBT. Psicologia dos movimentos sociais. Consciência política.

Acesse o trabalho completo no periódico: REU - Revista de Estudos Universitários

sexta-feira, junho 21, 2013

Eros e civilização, Texto III | Atos pelo Brasil

Texto I | Clique aqui
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           Eros também é fantasia, devaneio, puro capricho da imaginação. Faz com que as pessoas gritem e resistam à bala de borracha e gás lacrimogêneo, faz com que editemos fotos, publiquemos coisas e queiramos mostrar tudo isso ao mesmo tempo. Produzimos as imagens que queremos, pois tal Eros é alvo do Ego e de uma ferida narcísica que nunca cicatriza.
            Dessa forma perpassa todas as práticas que exercemos nas ruas e em redes sociais, no público e no privado.  Não à toa os movimentos sociais também são constituídos no plano da fantasia, sobretudo quando ganham força a partir do facebook. Sendo assim, os movimentos não são apenas o que vemos de fato, compreendem tanto a realidade concreta quanto a que criamos a partir de nossa performance no mundo.
          Apesar da inegável contribuição para a democratização da informação e transformação na comunicação, as redes sociais impactam em várias dimensões da consciência e da vida, uma vez que contempla o imaginário. Há um conjunto de signos, símbolos e sentidos em jogo compartilhados nos textos, mensagens e imagens, tudo a partir de um clique que nunca é vazio.  E não sendo vazio, é lugar de significação.
            Sendo assim, como as redes sociais se relacionam com a realidade concreta? Qual seu impacto no vivido e no cotidiano?
            Além de visibilizar causas e aproximar pessoas, elas cooptam o Eros e põe em exercício o poder. Jurandir Freire Costa (1997), ao tratar da noção de violência e abuso de poder no horizonte ético da cultura, fala das elites brasileiras e seu destino sócio-individual. Uma vez que detêm a maior parte das riquezas e o comando dos instrumentos que consagram normas e comportamentos – a exemplo as redes sociais – servem, com seu capital cultural e intelectual, ao mercado e ao sistema capitalista.  Assim, o autor considera duas idéias: a) o alheamento em relação ao outro e b) a irresponsabilidade sobre si.
            Esse alheamento em relação ao outro, aponta ele, pode gerar o desconhecimento do outro como semelhante, desqualificando-o como ser moral. A indiferença anula quase totalmente o outro em sua humanidade, assim ignora-o enquanto sujeito dotado de direitos e desejos. Assim, os saqueadores, pichadores e os baderneiros não são dignos de compreensão, nada mais são do que uma escória social a ser banida. Não os enxergamos como parte de nós, produtos dessa relação assimétrica de direitos. Ainda que se tenha criticado a ação fascista da Polícia Militar nos diversos atos pelo Brasil, sua força é altamente reivindicada para esses ditos marginais.
            No modelo de subjetivação e individualização das elites brasileiras, aponta Jurandir, os pobres e miseráveis são cada vez menos reconhecidos como pessoas morais. Essas elites não se preocupam em legitimar seus valores, já os têm como dado, como um consenso imaginário. E esta convicção de certa forma é autentica. Assim, os movimentos sociais devem ser como elas concebem, ordenados de maneira que não contestem seus privilégios.
            Contudo, as elites são personagens cárceres de um mundo fantasma que elas mesmas criaram. Fechadas em suas bolhas, dentro de shoppings, condomínios e até em universidades, não conseguem enxergar o outro que destoa de seus valores. Gera-se aí a irresponsabilidade sobre si, pois o ideal da boa vida burguesa paralisa os indivíduos num estado de ansiedade permanente, responsável, em grande parte pela incapacidade em olhar para outra coisa que não a si mesmo. Faz sentido, portanto, ver como o compartilhamento de tanta informação gera um gigante posto como adormecido. Essa dormência a base de antedepressivos é o retrato da indiferença com o outro, quando não se olha para as pautas e reivindicações emergentes do social, simplesmente reproduz-se a hegemonia de poder e a vontade de agir pelo ego modelo.
            Não é que os movimentos não existam e que não hajam pessoas compromissadas com as causas sociais, o gigante é apenas a materialidade da hegemonia. Tal gigante reivindica muito o consenso, pois é autoritário e não suporta o dissenso e os discursos marginais, quer colocá-los no ostracismo de onde não deveriam ter saído. Os pequenos, ou as minorias por assim dizer, estão acordados há muito tempo. O MPL (Movimento do Passe Livre) há pelo menos oito anos, como dizem os militantes, tem organizado ações pela mobilidade urbana e direito à cidade. Como podemos esquecer atos tão recentes como os protestos “Fora Feliciano” que pipocaram por diversas capitais, cidades interioranas e mundo a fora? Sobretudo articulados por movimentos como o LGBT, o feminista e o Negro via redes sociais. E já diziam “A nossa luta é todo dia, contra o racismo, o machismo e a homofobia”. Como pode hoje, nesse desenrolar dos fatos, na organização de um ato contra o projeto de Lei da “Cura Gay”, alguém questionar e contestar tal pauta como uma demanda social, alegando que o momento é para causas de todos?  
            É o eco do conservadorismo tentando incutir nos movimentos sua hegemonia. Daí fala-se de tudo, da educação, da corrupção e até da família, tudo pelo exercício do poder. Não são as ações coletivas que estão em jogo, mas o desejo individual em publicizar um sujeito político inventado, conforme valores que a própria elite enaltece.
            Ser crítico, participativo e politizado é um valor compartilhado para esse sujeito moral que as elites concebem. O conhecimento e a política sempre estiveram associados às classes dirigentes, sendo assim, as elites brasileiras contemporâneas não se refutariam a consumi-los, ainda que de maneira forjada. Consome-se cultura, educação e entretenimento, tudo banalidades para esse destino sócio-individual.
            Assim, é como fala Marilena Chauí, num vídeo postado no youtube, a violência opera sob o preconceito de classe, raça, sexo, orientação sexual, mas só a criminalizamos quando dissociada da marginalidade. Os comentários conservadores sobre os atos de hoje mostram isso.
            O Projeto de Lei 122, que pretende a criminalização da homofobia é um bom exemplo desse reconhecimento arbitrário da violência, sofrendo forte resistência das elites políticas pressionadas pelas bancadas fundamentalistas. Mais do que contestar a violência sob o sujeito, ele provoca o patriarcado, a opressão da família burguesa e a religiosidade a favor do capital. Ele põe em cheque os privilégios dos homens de família, por isso é polêmico.
            Os movimentos de hoje diz um pouco disso tudo. Além de denotarem as queixas sociais e o caos que produzimos socialmente ao longo da história, revela o Eros cooptado numa conjuntura neoliberal, fazendo da ação coletiva um desejo narcísico. Não que em outros conflitos sociais isso não seja percebido, haja vista a formação das lideranças, entretanto, as elites brasileiras parece ter feito disso uma demasiada moção para vida e para prática cotidiana. Assim, a pulsão por estar nas ruas está além de uma causa, ela diz desse valor socialmente construído por um ideal de ego, é como Cantri (1941) nos pontua as motivações pessoais em eleger valores ao participar de ações coletivas. Por isso a dificuldade em se definir bandeiras num momento de tanta aderência. Da mesma forma que é consumida a educação para o vestibular e a cultura para sobreposição do erudito em detrimento ao popular, a militância é absorvida apenas para a performance, uma prática fantasiosa de caráter egóico.
            Num debate ocorrido há pouco na Universidade de São Paulo, gostei de uma idéia dita pela professora Sylvia Duarte Dantas (UNIFESP), de que estamos numa catarse social, como experiência – ou suposta sensação - de libertação da opressão. Tais movimentos são a explosão de diversas queixas, tanto dos oprimidos por um sistema excludente, quanto daqueles que se sentem apartados do outro, quando numa ação contraditória tentam alimentar sua imagem pessoal. Diz da incapacidade de boa parte das autoridades públicas em responder as pautas sociais, uma vez que presas às amarras de negociatas, distanciam-se da sociedade. Diz da dificuldade de todos nós em olhar para o outro. E é isso que precisamos recuperar, a proximidade com os nossos representantes e a atenção no outro. Sem isso, nessa falácia toda, só reafirmaremos o que Jurandir supõe ser nossa estratégia indiferente, destruir o que não temos coragem de transformar.
             
Como fazer isso? Ninguém tem a resposta. Ela será processada entre todos nós. Contudo, baseado no que tenho escutado, destaco tais táticas: 
1.    Mais atenção dos partidos políticos às pautas sociais. Essa resposta reacionária também revela sua incapacidade em responder demandas da população;
2. A participação da população em coletivos e partidos. - Participe, mesmo que julgue estes corrompidos, pois se um coletivo achar por bem mudar a conjuntura, haverá a transformação. E o sistema representativo é um modelo de gestão democrática;
3. A construção de uma cultura política. - Informe-se mais, conheça seus representantes, freqüente mais as casas legislativas ao seu alcance, da sua cidade;
4. Recuar nesse momento, como fez o MPL, para que não sejamos cooptados pelos discursos e forças hegemônicas;
5. Pensar em estratégias para essa potência de Eros em subverter o que está posto como opressivo, aproveitando-se dessa ruptura, mesmo que simbólica, de apatia social para construir o novo.


“Sem um esforço para conceber [o novo], (...) dificilmente poderemos produzir o encantamento necessário à paixão transformadora capaz de restituir à figura do próximo sua dignidade moral. O caminho é longo e penoso. Mas navegar é preciso, e sem uma bússola na mão e um sonho na cabeça nada temos, salvo a rotina do sexo, droga e credit card”. Jurandir Freire Costa 

Referência:
COSTA, Jurandir Freire. A Ética Democrática e seus Inimigos. O lado privado da violência pública. Em: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Ética (seleção de textos). Rio de Janeiro/Brasília. Garamond/Codeplan, 1997. 


terça-feira, junho 18, 2013

Eros e civilização, Texto II | Ato V: Entre a extensão do falo e a microfísica do poder no ato contra o aumento das passagens

Texto I | Clique aqui
ATO V. Largo da Batata, SP.
Foto: Folhapress

            Bem disse Roberto Machado na introdução de Microfísica do Poder de que na perspectiva foucaultiana não existem os que de um lado têm o poder e que do outro aqueles que são desprovidos dele. O poder se dá em todas as práticas e relações. Acrescenta adiante que “(...) qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder”.
            Diferentemente da edição anterior, no quinto grande ato na cidade de São Paulo, não houve grandes confrontos entre sociedade civil, movimentos sociais e Estado. Por conta da repercussão negativa da ação truculenta da Polícia Militar e da tropa de choque na última quinta, já antes do último evento, foi anunciado que não haveria ação programada de contenção da manifestação, e que, portanto, as ruas, incluindo a Paulista, estariam livres para as reivindicações. 
          Enganam-se aqueles que julgam ser, assim, um ato livre. Nada mais óbvio que o Estado recue, não por ter se dado como posto à prova, mas por também ser perspicaz, tão como os movimentos. Diante do incontrolável, também resiste-se no controle do possível. Arnaldo Jabor reconsiderou, não é mesmo? Nada de conclusões maniqueístas, é assim, simples parte desse dispositivo de poder que Foucault nos fala.
           E nesse novo cenário pontuo algumas percepções, obviamente pouco deflagradoras da realidade, mas sem dúvida, parte dela. Penso numa contribuição nesse processo de retomada das ruas, do público, do coletivo. Também tenho me arrepiado com dimensão de tudo e espero que possamos dar novos passos. 
            Se pensarmos em alguns autores que tratam dos movimentos e conflitos sociais, como Hadley Cantril (1941), Pedro Cadarso (2001), Charles Tilly e Lesley Wood (2010), notamos que, em linhas gerais, todos tratam de pontos como estratégia, eficácia, campanha e motivações individuais. E certamente precisamos estar atentos a isso nas análises e inferências sobre os conflitos de hoje, sem obviamente, normatizar os movimentos.
            Se nessa noite não vimos a ação direta do Estado sobre nossos corpos, com as bombas e balas de borracha, fomos nós mesmos que nos vigiamos a todo momento. Concentramos-nos e caminhamos ordenadamente no Largo da Batata, na Faria Lima, na Paulista, na ponte estaiada, etc, com gritos e palavras de ordem em repúdio, dentre outras coisas, à participação de partidos políticos, à cobertura da grande mídia e, sobretudo, ao “vandalismo”.
            Ora, o que é esse "vandalismo" que temos concebido? Pintar e registrar uma indignação sobre uma matéria morta é o descumprimento de que ética e moral? Ao banalizarmos qualquer prática de afronta à norma como vandalismo me parece que alinhamo-nos a um discurso hegemônico de controle. Supondo que algumas práticas podem deslegitimar os movimentos por uma mídia deturpadora, agimos contidos e esquecemos que a força da comunicação pode crescer do mesmo lugar que os movimentos atuais nasceram, das redes sociais.
            Não parece tarefa fácil responder à tão complexa crítica, contudo, arrisco que precisamos crer na autolegislação da vontade livre. PASSE_AGE_AUTOLGISLA-SE LIVRE. Para Lunardi (2011) na perspectiva kantiana a ação moral do sujeito advém de sua autonomia em impor restrições morais a si mesmo. Liberdade em Kant fundamenta-se na autogestão da vontade livre. Todos nós somos munidos de vontades e desejos, de Eros, estes são livres. Em civilização, em respeito ao livre desejo e vontade do outro, esbarramos nos limites, assim demanda-se nossa autolegislação. Talvez o possível para ações coletivas seja pensar em concessões agressivas em respostas à opressão apenas cujas conseqüências também sejam coletivas e não arbitrárias.




Referências - sugestões de leitura:

CADARSO, Pedro Luis Lorenzo. Fundamentos teóricos del conflito social. Madrid: Editores, S.A., 2001. ISBN: 84-323-1072-7
CANTRIL, Hadley. Psicologia de los movimientos sociales. (1ª Ed. 1941). Madrid: Euramérica, S.A., 1969.
FOUCAULT, Michael. Microfísica do Poder. Organização e tradução: Roberto Machado – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
LUNARDI, Giovani Mendonça. A fundamentação moral dos direitos humanos. Rev. katálysis [online]. 2011, vol.14, n.2, pp. 201-209. ISSN 1414-4980
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização – Uma interpretação filosófica dos pensamentos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
TILLY, Charles e WOOD, Lesley J. Los Movimientos Sociales, 1768-2008. Desde sus orígenes a Facebook. 2ª Ed. Editora Crítica: Barcelona, 2010. 

sexta-feira, junho 14, 2013

Eros e civilização: Entre a extensão do falo e a microfísica do poder no ato contra o aumento das passagens

Fotos: Moacyr Lopes Junior e Marlene Bergamo / Folhapress
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            Não são apenas os lixos incinerados nas ruas, os ônibus quebrados, os muros pichados, os gritos coletivos, as balas de borracha e as bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo que farão parte dessa história que todos temos guardado e registrado desde as redes sociais e mídias ao nosso inconsciente social e individual. Há muito mais em processo no plano do simbólico e do subjetivo nessa ação coletiva ocorrida em São Paulo e outras cidades no último dia 13 de junho de 2013.
            Marcuse, um dos pensadores referência das revoltas de 1968, em sua interpretação de Freud, diz que vivemos na complexa e intrínseca relação entre pulsão de vida e morte, no choque entre Eros e Civilização. E para Freud a origem prímeva é o complexo de Édipo. O pai severo impõe os primeiros valores societais. Revoltados, munidos pelos instintos agressivos, o matamos, mas o amor nos gera o remorso para harmonizarmos as relações. Essa é a origem da culpa, que nos orienta a não vivermos no caos diante dos limites em sociedade. O pai projeta-se e transforma-se em instituições, nas religiões, nas relações, no Estado. Não há como amá-lo sem que antes desejemos sua morte.
            Não é que as pessoas nas ruas não queriam mais o Estado, os limites, as regras e as instituições. Talvez alguns até digam isso e chutem lixeiras, ateiem fogo em espaços públicos e quebrem vidros, mas isso diz além do ato em si. Eros é a libertação momentânea da ordem e do limite, é um gozo pontual que responde a constante normatização da vida. Tudo é parte de um processo. Constituímos-nos e constituímos nossas práticas dessa forma, entre ordem e desordem.
            Nesse sentido, objetivamente, pudemos ver como há amor em SP, mesmo quando a cidade anuncia toque de recolhida e vê-se sitiada num estado caótico. É a pulsão de vida, o amor e os sonhos que fazem com que as pessoas se mantenham nas ruas mesmo com tantas bombas ensurdecedoras alusivas à morte. É Eros em confronto com o medo, a indiferença e a apatia social.
            E nesse complexo desenrolar cotidiano, as instituições sociais mostram que estão aí e fazendo uso de suas forças. Eis que vemos a extensão do falo. O pai castrador sempre será uma constante em nossas vidas. O público é um campo em disputa e o Estado apresenta suas armas: helicópteros, tropa de choque, fuzis, bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, carros, motos e caminhões equipados em que descem dezenas de homens, todos fardados, ordenados, fortes e bem treinados. Seguem em frota, performaticamente, contornando ruas, cruzando carros, atropelando pessoas, ostentando o poderil de quem se coloca como a ordem. Vãs tentativas de controlar o que não tem controle, pois a pulsão de vida preexiste à ordem, ao conflito e a morte.
            Assim, as ações policiais orquestradas por um governo que se vale de uma força arbitrária de ordenação das insatisfações conforme os interesses das elites só podem falhar. A opressão e violência trazem sentidos a todos aqueles presentes ou não nas ruas. Os sons, as imagens, os cheiros, tudo passa a compreender o olhar do sujeito para o outro. Daí, podemos vislumbrar a consciência política a partir do reconhecimento, significação e materialização dos antagonistas.
            Não podemos ser levianos e incoerentes ao pensar que as pessoas estão nas ruas apenas pelo aumento da tarifa do transporte público. Se nem mesmo os conflitos de fórum íntimo, individuais, dizem respeito a uma única queixa, como poderíamos supor que tantos sujeitos postos em marcha reivindicam a mesma coisa?
            Os movimentos sociais dizem de um projeto de futuro quando o presente não responde aos anseios e necessidades do coletivo ou da pessoa humana. Tais movimentos e suas práticas exemplificam a microfísica do poder que Foucault nos fala. O poder está em todos os sujeitos, relações e espaços. Da mesma forma que o Estado exerce sua força sobre os manifestantes, estes também abalam quem os oprime. O cenário desdobra-se em múltiplas cenas e dentre os diversos atores, todos parte de um mesmo enredo, cada um conta a história e age sobre ela de uma forma, não sendo possível responder a todas elas. Então, mesmo quem se pretende forte vê sua fragilidade no mundo.  E os movimentos, como o nome já sugere, não são estáticos e não se limitam às manifestações. O eco e a produção discursiva que se gera empoderam pessoas e transformam a realidade, mudam os sujeitos e toda conjuntura social. 

segunda-feira, maio 27, 2013

Fragmentos

(...) É que o aburguesado não suporta ver-se apartado das elites, seja qual for. Se eu acreditasse nos pecados capitais diria que vários deles são muito gulosos, não por nutrição e por esquecerem-se dos miseráveis que passam fome, mas por não estarem nunca satisfeitos, serem exagerados, demasiadamente demagogos. Querem sempre mais, consumo cultural, intelectual, tudo banal.

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É sintoma físico. Ultrapassa a alma, penetra a carne, coopta o Eros e transpassa a pele. É chagas ao deitar, pânico ao levantar. Invade, ocupa e hospeda-se sem que peça, atravessa e dispersa. É nó que sufoca, provoca e tira apetite, difícil de desatar. Prende-nos e liberta-nos em ideias, planos e sonhos. É grito sublimado em suspiro, pulsão de vida e morte. Um querer avassalador e finito. É simples apaixonar-se. Um contato íntimo, mesmo que subjetivo, entre o Eu e o Outro.

***


Livre pensar e agir para nossa pequena, quase que insignificante, prática no mundo. Quiçá alçar pelo menos o reconhecimento e conquistar alguns dos frutos daquilo que pretendemos de concreto, pois os sonhos e a ideologia nos saem caros de mais quando um rio já poluído nos trava, mesmo quando almejamos o mesmo destino. Bem dizia Kant, que a liberdade não está dada, ela se constitui em processo. Livre pensar e agir nesse mundo do reconhecimento, atravessado por tantas ideologias que nos travam e nos deixam sem destino.

***

Não toca mais os poros, os pelos, o peito. Toca na rádio, no som, na alma. Soa sino, sua pele, soa a sua melodia, sem que interpele e fale. Escuta-se e sente-se.  

terça-feira, maio 21, 2013

Americana no "Proteste Já"


            Ainda que eu não acredite na mídia como modelo de participação política, por ora é um dos poucos meios que tem gerado respostas rápidas aos descasos e desmandes de autoridades públicas. Diante da politicagem contemporânea, em que os votos dizem mais que qualquer ética e compromisso social, não importa a realidade, mas o que se vê e percebe-se dela, mesmo que superficialmente. Mais uma vez, a cidade do espetáculo, da performance, como definiriam alguns autores, move-se apenas por aquilo que se tem visibilidade. Contudo, aprendamos a lidar com o que temos para o agora, objetivamente. Mesmo que carreguemos o peso de uma possível alienação, o pragmatismo nos põe em ação e os movimentos precisam disso. Mais uma vez um escândalo envolvendo a gestão de Americana. E não são poucos os fatos que descredibilizam e deslegitimam a atual gestão. Só para refrescarmos a memória:
            Denúncias de irregularidades nas obras atreladas ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento na Avenida Brasil. Executivo, num retrocesso pela transparência democrática, propõe revogação da lei mentor - a qual obriga a prestação de contas com gastos de publicidade e câmara aprova em bloco pela base aliada. Fantástico mostra a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) de Sorocaba, a qual aponta suspeita de propina com envolvimento do prefeito e secretário da saúde em parceria com a instituição SAS. Ministério Público eleitoral acusa prefeito Diego De Nadai e seu vice de terem praticado caixa 2 na campanha por conta de um montante de R$ 350 mil que não possui comprovação. Ministério Público Federal recebe uma denúncia de fraude no SUS, em que a direção do hospital municipal está "coagindo" médicos a registrar internação mesmo quando os pacientes são atendidos e liberados – para receber repasses do governo federal. Corrupção associada ao projeto 2º tempo, ligados a Federação Paulista de Xadrez (envolvendo R$ 3,4 milhões) – Investigação do MPF de Piracicaba. Nepotismo – Diego De Nadai nomeia irmã como secretária da promoção social e Paulo Chocolate contrata a própria namorada para assessorar a presidência. Diego De Nadai concede por meio de decreto uma área de 120 m² à Frente Regional de Defesa da Cidadania e dos Direitos Sociais cujo líder é seu assessor, Capivara. Esposa do ex-assessor da Prefeitura de Americana, Marco Antonio de Paula (Capivara), ocupa seu cargo após exoneração e recebe mais de R$ 50 mil como funcionária fantasma. Gestão de Diego De Nadai (PSDB) é investigada pela Polícia Civil sob a acusação de fraude na licitação que resultou na terceirização de parte da merenda escolar.
            A de hoje: a cidade aparece no quadro “Proteste já” do CQC por uma obra prometida há dois anos, sem qualquer avanço. Sejamos francos, será que o prefeito de Americana não teria como sanar esse engodo junto ao seu “padrinho” governador tucano? Ele não responde e deixa a tarefa ao seu assessor, que cá pra nós, não responde nada objetivamente. 
- Respostas por avaliação e diagnósticos não dizem nada, nos tragam o parecer e soluções, por favor! 
                Os representantes estão para isso. Curioso pensar que as obras da Avenida Brasil mesmo embargadas tiveram seqüência. Ah, como disse uma entrevistada, foi a eleição! Uma avenida central da cidade tem visibilidade, representa votos, portanto, deve estar bem iluminada! Aliás, com luminárias robustas a cada metro. Uma estrada às margens da cidade quem vê? Dessa vez, por sorte ou azar, dependendo a perspectiva, foi a mídia. E segue o link para vermos a matéria: 


domingo, maio 05, 2013

Beija-flor


Noites curtas e dizeres longos de uma escuta atenta
Diria do teu cheiro e mais um pouco daquilo e disto desta casa
Esquenta quando senta, assenta e acalenta
Ascende aquilo que nos põe em brasa
Roça rosto, roça corpo, roça, fala-me e inventa
O que de nós extravasa e vasa

Fuja, corra e saia daquilo que persegue
Ombros, queixos e cochilo
Raia o sol, deite e deleite-se antes que o amanhã chegue
Ria e sorria ao pensar nisto e naquilo
Eu, tantas coisas e este texto entregue
Abafado, contido, de quase tudo entre nós em sigilo

quinta-feira, maio 02, 2013

Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na luta contra a homofobia


        

         Anteontem ensaiávamos a valsa de debutantes e logo amanhã já completaremos a maioridade. Hoje, aos 17 anos, novamente vamos às ruas para mostrar que ainda temos fôlego para dizer do que nos cala e nos põem a dizer cotidianamente. 
            O Uruguai aprova o casamento homoafetivo, a França torna-se o 14º país a reconhecer igualdade plena entre casais heterossexuais e homossexuais, São Paulo oficializa o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e autoridades de Uganda discutem um projeto de lei sobre a união homossexual. Marco Feliciano, deputado acusado de racismo e homofobia, é pauta nacional e alvo de protestos em várias partes do mundo por ser eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Daniela Mercury assume seu relacionamento com outra mulher. Empresas nacionais associam suas marcas à igualdade mostrando-se a favor do casamento igualitário. Um movimento pelas redes sociais surpreende positivamente: grupos de grandes times de futebol dizem não a intolerância. 
            Se por um lado notamos as mudanças, por outro, observamos as respostas reacionárias às transformações. A frente conservadora, liderada por fundamentalistas religiosos, ascende nas casas legislativas Brasil a fora. Parlamentares encaminham projetos de leis contrariando-se a laicidade do Estado. Internautas, sem qualquer compromisso ético, compartilham depoimentos preconceituosos, sexistas, machistas, homofóbicos e fascistas. Apesar de uma pesquisa do instituto Ifop apontar que 63% dos franceses apóiam o casamento homossexual, centenas de pessoas foram às ruas em protesto contra uma lei que garanta tal direito. Autoridades de Uganda, mesmo com a pressão internacional e de seus próprios cidadãos pelos direitos de homossexuais, realizam discussões de portas fechadas. No IV ato contra Feliciano, na capital paulista, um jovem sozinho atira uma garrafa de coca-cola cheia contra centenas manifestantes que estavam nas ruas. 
            O que leva tantas pessoas saírem de suas casas contra uma lei que garanta o direito a outrem? O que lhes interessa e afeta? De que coragem se vale um sujeito que, individualmente, agride um coletivo? Como se confere o ímpeto em julgar-se mais assertivo, justo e correto que todos os demais? Por que, ainda hoje, discutem-se pautas de interesse comum à surdina? Será que o intervencionismo religioso atroz não está preso a um período histórico, como a Idade Média?
            Se prestarmos atenção no cotidiano, o ataque e violência sobre sujeitos acontecem quando estes já estão desqualificados socialmente. Foi assim que se estabeleceu e tem se mantido a violência nas penitenciárias, a subalternidade dos negros, a agressão doméstica de mulheres, a exclusão dos imigrantes e a violação de direitos de homossexuais, sobretudo colocando-os nas selas, nos campos de concentração, nas cozinhas, nas senzalas e nos guetos, no lugar do não-dito, do invisível, para que sem história e memória não fossem e nem sejam dignos de respeito e direitos. Falamos de sujeitos e minorias que, historicamente e moralmente, são inferiorizados, silenciados e desprestigiados socialmente. Repetimos tais retóricas, pois ainda que consideremos os avanços, não superamos as desigualdades históricas.
            Não podemos negar a existência do abuso de poder e da punição arbitrária daqueles que já são marginalizados pela pobreza. Não é possível que desconsideremos o alto índice de agressão que mulheres são acometidas em suas casas por seus próprios cônjuges. Não é sensato que continuemos a banalizar a dor daqueles que, próximos ou distantes, sofrem por serem refugiados e imigrantes. Não dá mais para fecharmos os olhos diante das falas racistas ao discutirmos cotas raciais. Não podemos apagar os números da violência homofóbica no Brasil. 
            Tudo isso compreende um discurso e história oficial compartilhados hegemonicamente e não podemos estar apáticos ao que nos oprime. As realidades e verdades são múltiplas, próprias de cada um, mas o registro e memória têm sido daqueles que têm o direito em defender a sua voz.        
            Aquele rapaz que, sozinho, agrediu um coletivo, trazia consigo todos esses discursos e histórico de opressão que invisibilizam sujeitos. A ponto de entender-se superior e forte o bastante para atacar. Ele não agiu sozinho e não foram apenas os franceses que o encorajaram e legitimaram, mas Feliciano, Bolsonaro, Silas Malafaia, etc. 
            Contudo, há de se pontuar também as glórias. Marcos Feliciano nos uniu! Mulheres e homens; negros e brancos; heterossexuais e homossexuais; brasileiros e estrangeiros; militantes, partidários e apartidários se somaram nas ruas de capitais, das cidades interioranas, e até fora do país, para dizer que “A nossa luta é todo dia, contra o racismo, o machismo e a homofobia”. Por isso, não se trata apenas de sua permanência, mas de históricos de militância pelos Direitos Humanos e pela promoção de minorias.
            Assim, reforçamos o Direito à Igualdade e o Direito de não sofrer privação arbitrária da liberdade. Marchamos para reivindicar que o Estado brasileiro cumpra com os princípios de Yogyakarta, conforme documento publicado, em 2006, pela ONU – Organização das Nações Unidas.   Pois, não admitimos mais o gueto e a subalternidade. Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na luta contra a homofobia.


Fábio Ortolano. Assistente de comunicação da APOGLBT e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP. Pesquisa as concepções de Sexualidade e Direitos Humanos de participantes das Paradas LGBT de São Paulo e Campinas.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Quando estiver em dúvida, dê somente o próximo passo, pequeno.


Luiz Carlos Gracia

Dedico o presente poema ao titular desse acróstico

Lindo, adjetivo simples e completo,
Único quando, entre muitos, simplesmente é.
Impar talvez seja como te digo do
Zelo, desvelo teu em notar que estava ali por ti.

Cativante sabes que és.
Adorável menino, só por não parar de sonhar contigo,
Resta-me a dúvida do mínimo ser tudo o que me parece muito.
Louco, varrido, imaturo talvez eu seja por falar-te tais coisas.
O desejo é assim, se deseja e ponto.
Sinceramente, quero que teu sincero olhar saiba desse querer de pronto.

Gato garoto, de beleza marcante,
Ator principal e coadjuvante.
Raro rapaz rouba-me a cena com sua presença,
Contraceno contigo cada papel que me pertença.
Insisto porque não desisto e assim vejo a peça,
Ainda que não sejas o que espero, persisto que algum papel me peça.

***

*Título da postagem emprestado de Regina Brett


domingo, fevereiro 03, 2013

Entrevista de Silas Malafaia em "De frente com Gabi"




Dentre tantas falas irresponsáveis, revoltantes, incoerentes, rasas e levianas, gostaria de responder algumas, uma vez que o pastor clama por verdades que ele próprio alega serem de Deus.
Antes de qualquer coisa vamos à conjuntura e uma reflexão rápida para posicionarmos as respostas. Vivemos num país que desde a colonização fora catequizado pelo cristianismo. O cenário das correntes religiosas vem mudando, como aponta o IBGE, contudo, compomos uma nação esmagadoramente cristã, em que a bíblia mais que documento sagrado, representa para muitos a verdade absoluta sobre a história, sobre a vida, sobre o mundo, sobre nós mesmos.
Paralelamente a isso somos um país que cronicamente se esquiva em dar valor à educação e aos demais Direitos Humanos. Mais que dados acadêmicos, a realidade cotidiana nos mostra: assistimos ao sucateamento dos serviços básicos de atendimento à população. Inseridos num sistema capitalista em que o mercado dita sobre as ações do Estado, não tem mais importância se o serviço público não funciona. Os planos de saúde estão aí e as escolas particulares são ótimas opções para o vestibular. Pouco importa se tudo isso é vazio.
Não digo que a religiosidade associa-se à falta de educação, muito menos à ignorância. Contudo, ela oferece e representa uma possibilidade de leitura do mundo e de todas as coisas. Se não temos acesso à informação, outras culturas e outras perspectivas, como podemos deixar de reforçar o que está posto hegemonicamente?
Infelizmente, diante disso, os dogmas e os princípios das diversas religiões são instituídos como verdades para todos. É complexo, pois muitos que nelas acreditam, transformam e significam vários de seus sentimentos a partir delas, como a esperança, o otimismo, a fé, e acabam fazendo delas a única forma de compreender a realidade.
Não se trata de discordar de uma passagem bíblica, da defesa de um principio, de um pastor que defende o que acredita. É mais que isso! Responder às falas rasas de Silas malafaia é contestar a sobreposição e sobrevalorização de ideais e crenças, é protestar contra a opressão religiosa e o oportunismo frente à fé ingênua de tantos fiéis, é um grito contra a prepotência de pessoas que se julgam detentoras do saber sobre todas as coisas. Vamos ao ponto.
Primeiramente, Malafaia é incoerente, uma vez que defende uma perspectiva criacionista e para explicar a sexualidade busca sustentar seu discurso na biologia.
A biologia, por exemplo, tem se dedicado a buscar anomalias endocrinológicas, neurológicas e genéticas, entretanto, nenhuma pesquisa até hoje conseguiu comprovar e explicar a homossexualidade de maneira a se esgotarem os questionamentos. Até porque nem mesmo a biologia é objetiva como a matemática e a física. Se pensarmos na sexualidade humana, ela é totalmente atravessada pelo social, vejamos como concebemos a puberdade em diferentes épocas.
Quanto à psicologia, e aqui abro um parêntese para compartilhar um incomodo que julgo ser próprio de muitos psicólogos e estudiosos da psicologia ao ver o dito pastor se pronunciar em nome de tal campo do conhecimento, são tantas perspectivas dentro da própria psicologia, que não há como falar em consenso. Freud, precursor da psicanálise, em seus ensaios sobre a sexualidade, fala da pulsão e dos objetos sexuais. Trata da homossexualidade como inversão e não está de acordo com uma postura curativa. Acrescenta ainda que a leitura sobre a inversão advém do que o contexto permite. Já outra hipótese, dentro da linha comportamental, defende que a homossexualidade associa-se às experiências primevas, positivas e negativas, reforçadas em atos masturbatórios.
A medicina por muitos anos fez uso de manuais que conceituavam desvios sexuais, caracterizando perversões morais em patologias. Contudo, avançados os estudos, a medicina não considera mais homossexualidade como uma doença mental.
Thomas Laqueur, em Inventando o Sexo - Corpo e gênero dos gregos à Freud, relata como o sexo, sexualidade e gênero foi sendo concebido desde a era clássica até o modernismo científico. Por milhares de anos, por exemplo, acreditou-se que as mulheres tinham a mesma genitália que os homens, invertida, para dentro. Logo a compreensão desses três elementos (sexo, sexualidade e gênero) associava-se a um único modelo. Por volta de 1800 escritores começaram a atribuir as diferenças fundamentais entre homens e mulheres e aos finais do século XVIII o antigo modelo metafísico de compreensão do homem e mulher deu lugar a um modelo de dimorfismo radical, de divergência biológica. A visão dominante desde este século era, portanto, de que havia dois sexos, fato que determinava a vida política, econômica e social, bem como os papéis de gênero. Logo, estabelecem-se dois modelos para a leitura dos três elementos acima citados.
Notemos que a própria ciência muda conforme se avançam os estudos. Não há verdades que se estabelecem em qualquer época e lugar. Desde os primeiros estudos sobre a sexualidade até as pesquisas pós-modernas sobre o tema muito se criticou, analisou e refletiu. E diante disso tudo não há como crer que um único livro possa dar respostas a todos os anseios e dúvidas. 
Além disso, a bíblia não pode ser a única referência para todas as coisas. Afinal, será que poderíamos explicar o mundo somente através de palavras? Será que o que significamos é igual para o outro?  Independentemente das respostas, cabe atentar também às interpretações, que sob qualquer fonte podem ser enviesadas e deturpadas.
Vivemos hoje uma realidade triste para a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) no Brasil e no mundo. Suicídios de jovens, punição  em algumas nações, assassinatos, etc. Aqui destacamos o alto índice de violência direcionada à outrem motivada pela homofobia.  
Segundo o Grupo Gay da Bahia o número de assassinatos de homossexuais aumentou 27% no Brasil neste ano que passou. De acordo com o levantamento foram 338 assassinatos motivados por homofobia em 2012. Isso quer dizer que quase todos os dias um homossexual é morto em nosso país devido à intolerância e o ódio.  Cabe mencionar ainda que muitos casos nem são registrados. Além disso, há os casos de suicídio, estes nem expressos em números.
Outro levantamento é o da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), que em julho do ano passado mostrou alguns números referentes à homofobia em 2011, ainda que consideremos a subnotificação: foram denunciadas 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. Os estados com maior incidência foram São Paulo (1.110), Minas Gerais (563), Rio de Janeiro (518), Ceará (476) e Bahia (468). 67,5% das vítimas se identificaram como sendo do sexo masculino; 26,4% do sexo feminino; e 6,1% não informaram sexo. 47,1% tinham entre 15 e 29 anos. Com relação aos principais tipos de violação, 42,5% dos casos registrados foram de violência psicológica; 22,5% de discriminação; e 15,9% violência física. Quanto quem pratica a violência, em 61,9% dos casos o agressor é próximo da vítima, em 38,2% são familiares, sendo que em 42% dos casos a violência se deu dentro de casa; 5,5% das violações foram registradas em instituições governamentais – sendo 3,9% em escolas e universidades, 0,9% em hospitais do SUS, e 0,7% em presídios, delegacias e cadeias.
E são inúmeras as fontes a serem consultadas. Relatórios, artigos acadêmicos, etc. É só pesquisar. São Paulo, por exemplo, já possui até um mapa da homofobia, mostrando os bairros mais perigosos e com maiores índices de denúncias de violência homofóbica.  Ou seja, os dados, os números e as múltiplas referencias sobre a homofobia no Brasil já conferem o quanto ela é real em nosso cotidiano, resta saber sua origem.
Queremos saber se esta homofobia é construída a partir de um argumento e razão fundamentalista. Se é o preconceito travestido de crença que justifica a violência. 

Fábio Ortolano

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3wx3fdnOEos#!

terça-feira, janeiro 01, 2013

Composição da mesa diretora da Câmara municipal de Americana - SP


Mais um passo ao retrocesso histórico para o município de Americana. Mais uma vez as cartas marcadas foram postas na mesa. E o que jogamos? É uma brincadeira? Temos 137 anos e ainda brincamos? Quais são as regras que nos orientam?
Ao que parece, estamos no jogo da democracia. Contudo, faltam peças, o tabuleiro já tem marcas, o dado está viciado, os jogadores usam as mesmas táticas. Será que ainda somos crianças preguiçosas que nem lemos as instruções?
Paulo Chocolate foi eleito presidente da Câmara e Valdecir Duzzi seu vice. Leonora do Postinho compõe a mesa diretora. Era tudo previsível, não é? Aliados e oposição de governo, como sempre previsíveis. Números exatos de votação, tudo certo, objetivo, afinal, todos os representantes, das inúmeras frentes ideológicas e partidárias que compõem o cenário político americanense pensam semelhante. Eu entendi certo?
Para uma cidade que poderia se orgulhar dos índices de desenvolvimento humano que conquistou na sua história, mergulhar num cenário de marasmo político, de cartas postas e previsíveis, é vislumbrar um futuro pouco promissor.
Daí, engana-se aquele que confere e associa à contemporaneidade o bom IDH que o município apresenta. Seríamos levianos, ingênuos e, em certos casos, até oportunistas em afirmarmos isso. A educação, a saúde e a longevidade de uma sociedade, por exemplo, que nos apontam a qualidade de vida de um lugar e de um povo, são produções sociais que se moldam em ações e contextos históricos que compreendem épocas, gerações, e não apenas anos e momentos pontuais.
Numa leitura simples da nossa realidade sócio-histórica nos vejo como presas de um capitalismo selvagem. A sociedade da tradição, família e propriedade se isenta propositalmente de uma racionalidade crítica. Nossa indiferença e pouco caso com a política local muito têm a dizer sobre os valores e a ética que concebemos no cotidiano. Adiante teremos os reflexos de tudo que temos produzido hoje.