sábado, junho 10, 2023

27ª Parada do Orgulho LGBTI+ em São Paulo

As paradas LGBTI+ são um dos principais símbolos dos movimentos modernos pelos direitos civis de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexo e outras biografias plurais em diversidade afetivo-sexual e de gênero. Esse formato de marcha começa nos EUA um ano após a Revolta de Stonewall, quando pessoas transvestigênere[1], homossexuais e drag-queens se rebelaram contra o abuso e a violência policial em Nova Iorque em 1969.

Aqui no Brasil, desde a Colônia até o presente momento, as populações LGBTI+ sempre existiram e resistiram.  Os indígenas Tibiras e Çacoaimbeguiras entre os Tupinambás, homossexuais homens e mulheres respectivamente nas definições atuais; Xica Manicongo, primeira travesti que temos registro, que veio escravizada do Reino do Congo para viver em Salvador no século XVI, foi criminalizada por sodomia pelo Santo Ofício e rebatizada como Francisco; Yaya Mariquinhas que exigia ser tratada no feminino (gênero diferente do atribuído em seu nascimento) no Brasil Império, séc. XIX; até mais recentemente no século XX quando aparecem na cena púbica personalidades como Madame Satã, um transformista brasileiro, ícone da vida noturna e marginal da Lapa carioca e Rogéria que entrou no imaginário brasileiro apresentada como "a travesti da família brasileira".

Assim, na década de 1970, quando os Estados Unidos abrigavam as primeiras marchas – paradas - pela liberdade sexual e de gênero, influenciadas por outros movimentos modernos como o feminista, o negro e o de contracultura hippie, o Brasil vivia uma resistência frente à censura e ao controle social. No bojo da ditadura militar, a inauguração de casas noturnas como Medieval e Nostro Mundo em São Paulo; os grupos artísticos Dzi Croquetes e Secos e Molhados, que provocavam a ordem social por meio de trajes, performances e estilo de vida; a formação do coletivo de militância e ativismo “Grupo SOMOS” e a publicação de jornais de resistência como Lampião da Esquina e Chana com Chana marcam a cena LGBTI+.

Nas décadas seguintes, nos anos de 1980 e 1990, surgem os primeiros protestos no Brasil, como a passeata contra as operações do delegado Richetti e o protesto das lésbicas feministas no Ferro’s Bar em São Paulo. Nesse momento, os movimentos são provocados a responder à epidemia de HIV-AIDS, seja na formação de rede de apoio e solidariedade ou na desconstrução dos estigmas que estavam sendo difundidos no senso comum, pela mídia, instituições religiosas e até mesmo a ciência. Um conjunto de coletivos são instituídos nessa época.

Foi nesse contexto que as paradas surgem no Brasil, primeiro em Curitiba e Rio de Janeiro e um ano depois em São Paulo, 1996 o marco zero na Praça Roosevelt. O primeiro evento na Avenida Paulista foi em 1997, marchas essas organizadas por ativistas, coletivos e profissionais de várias áreas que se reuniam em congressos para estudo e promoção da saúde em resposta ao HIV-AIDS.

Em São Paulo, desde a primeira parada LGBTI+ até hoje, em sua 27ª edição, muita coisa mudou, não só o evento, mas a sociedade também. Certamente, uma das principais contribuições das paradas é a visibilidade massiva, é o que ela possibilita além das palavras de ordem, pois elas viabilizam novos sentidos e significados coletivos, possibilitam no espaço público a manifestação de sexualidades e gêneros plurais perseguidos e vigiados. Transpõem a geografia da marginalidade e do gueto. Elas colocam em discurso não apenas o evento, mas biografias, existências possíveis. Não à toa, avançamos em direitos civis, mesmo diante de muita aversão conservadora. Decisões judiciais pelo direito parental de pessoas LGBTI+, a conversão de união estável para casamento, a despatologização da transexualidade, a criminalização da LGBTfobia, a institucionalização das pautas por organizações e as políticas públicas de acesso à direitos sociais, a exemplo, o Programa Transcidadania.

Muitas vezes tentam descredibilizar as paradas como “carnaval fora de época”, contudo, assim como no carnaval, a subversão da ordem moralizadora, da violência e opressão se dá pelo exercício da liberdade, do lazer e da ocupação dos espaços públicos. E isso não faz das paradas menos política. Elas celebram biografias plurais, o orgulho em existir e, assim, contribuem com subjetividades de afirmação, reconhecimento e respeito, quando ainda tentam violentar essa população de diferentes formas. Como diz Caetano, "Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas; negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval". 

Nesse ano, na 27ª edição da manifestação, o tema são as políticas públicas como instrumentos de garantia de direitos sociais, seja a educação, o trabalho, a saúde, a assistência social, dentre outros, visto que as políticas públicas institucionalizam e positivam direitos. Embora tenhamos avançado em conquistas, dentro e fora do Estado e poderes instituídos, ainda existe muita resistência e uma ascensão conservadora que tenta aniquilar existências LGBTQI+ como estratégias discursivas pelo poder e contágio das massas. 

Políticas Sociais para LGBTI+, queremos por inteiro e não pela metade! Acesse o manifesto aqui.


Fábio Ortolano. Pesquisou as paradas LGBTI+ de São Paulo e Campinas entre os anos de 2008-2015. É docente nas áreas de Desenvolvimento Social, Turismo & Hospitalidade. Multiplicador das formações de Diversidade como Valor e Cultura de Paz no SENAC São Paulo. Professor convidado no curso de Gestão da Diversidade da COGEAE - PUC São Paulo. Doutor em Psicologia Social, Bacharel em Turismo e Educador Social.  



[1] Transvestigênere é um neologismo cunhado pela ativista Indianare Siqueira e difundido pela parlamentar Erika Hilton e pela atriz Wallie Ruy, que une o significado das palavras travesti, transsexual e transgênero.

domingo, outubro 09, 2022

Aos bolsonaristas, o que enxergam além dos antolhos?


Não acredito que no governo Bolsonaro voltamos ao mapa mundial da fome da ONU. [1]

Não acredito que no governo Bolsonaro registramos a possível volta da poliomielite (erradicada no país em 1989). Afinal, o diagnóstico não está fechado. [2]

Não acredito que no governo Bolsonaro tivemos a maior estrutura e fisiologismo de corrupção da história nacional, pois não acredito nas rachadinhas; nas milícias blindadas, na funcionária fantasma do açaí, no dinheiro suspeito entregue pelo Queiroz à Michele, primeira dama. Inclusive, não acredito nas imagens dele escondido na chácara do advogado da família Bolsonaro. [3][4][5] 

Não acredito que no governo Bolsonaro teve o obsceno tráfico de influências/propina no MEC (Ministério da Educação), pagos com barra de ouro pelos pastores "empresários" e o escandaloso orçamento secreto para superfaturamentos, notas frias e campanha eleitoral suja. [6][7]

Não acredito que a família bolsonaro tenha comprado 51 imóveis em dinheiro vivo, nem que as mansões em que todos eles vivem sejam frutos de corrupção. Afinal mesmo ostentando dezenas de imóveis de patrimônio, Bolsonaro come pão com manteiga, bebe café em copo de requeijão e usa chinelos tipo rider. [8]

Não acredito que no governo de Bolsonaro tantos ministros foram exonerados por seus crimes contra a população e o Estado. Dizem que eram todos técnicos. Curioso é que mesmo sendo técnicos, foram aproximadamente 30 trocas de ministros. [9]

Não acredito que no governo Bolsonaro cortou-se investimento em saúde, na  prevenção e tratamento do câncer, do HIV e da farmácia popular. [10][11][12]

Não acredito que no governo Bolsonaro mais se destruiu nossas florestas, como aponta o IPEA e tantas outras instituições ambientalistas nacionais e internacionais. Não acredito naquela famosa reunião que o ministro do meio ambiente Ricardo Salles disse para aproveitar o foco na pandemia e "deixar a boiada passar" e, assim, fragilizar a fiscalização e revogar leis de proteção. Não acredito no desmonte do IBAMA e ICMBIO, nem na multa própria que o Bolsonaro revogou e que exonerou quem a imputou. [13][14][15]

Não acredito que no governo Bolsonaro os indígenas, negros, mulheres e LGBTQIAP+ foram mais desrespeitados, ameaçados e mortos - segundo instituições representativas apontam. [16-20]

Não acredito que Bolsonaro seja um fascista mesmo sendo um ufanista - esse discurso patriótico que não considera o povo, a história e as reais riquezas nacionais. [21][22]

Não acredito que Bolsonaro seja racista, mesmo referindo-se a negros em arroubas e colocando capitães do mato em instituições que deveriam pautar a luta antirracista. [23][24]

Não acredito que Bolsonaro seja misógino, mesmo agredindo mulheres o tempo todo, de parlamentares a jornalistas (exceto as subservientes próximas, ao menos na visão delas). [18]

Não acredito que Bolsonaro seja homotransfóbico, mesmo que ele tenha alegado que era falta de surra e que ele minta a respeito do tema há década em rede nacional e que despreze a dignidade dessas pessoas. [25]

Não acredito que Bolsonaro seja um anti-cristo, mesmo usando seu nome em vão, defender a tortura e o ódio cotidianamente. Mesmo zombando da morte e vida, mesmo sendo um genocida. [26]

Não acredito que o governo Bolsonaro seja o pior governo da democracia brasileira, pois não acredito em antolhos (instrumento que limita a visão dos gados).

[1] https://www12.senado.leg.br/tv/programas/inclusao/2022/08/brasil-volta-ao-mapa-da-fome
[2] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/10/07/poliomielite-esta-de-volta-no-brasil-entenda-caso-sob-investigacao-no-para.htm
[3] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/01/20/entrevista-amigo-de-bolsonaro-caso-rachadinhas.htm
[4]https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-24/os-bolsonaro-sempre-foram-os-representantes-ideologicos-dos-grupos-milicianos.html
[5] https://veja.abril.com.br/politica/queiroz-diz-por-que-depositou-89-mil-reais-na-conta-de-michelle-bolsonaro/
[6] https://www.sbtnews.com.br/noticia/brasil/213894-propina-de-r-15-mil-a-r-40-mil-e-barras-de-ouro-relembre-escandalo-no-mec
[7] https://www.extraclasse.org.br/politica/2022/10/o-que-e-este-tal-orcamento-secreto/
[8] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/familia-bolsonaro-adquiriu-51-imoveis-em-dinheiro-vivo/
[9] https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/03/28/governo-bolsonaro-ja-acumula-quase-30-trocas-de-ministros-desde-2019-veja-lista.ghtml
[10] https://www.estadao.com.br/politica/governo-bolsonaro-corta-verba-contra-o-cancer-para-bancar-orcamento-secreto-em-2023/
[11] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5042798-governo-reduz-verba-para-tratamento-de-aids-e-protege-orcamento-secreto-em-2023.html
[12] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/09/17/remedios-do-farmacia-popular-cortados-por-bolsonaro-podem-custar-ate-r-65.htm
[13] https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2021/09/21/bolsonaro-tem-recordes-de-destruicao-do-meio-ambiente-mas-
usa-dados-para-enaltecer-seu-governo-entenda.ghtml
+ Greenpeace Brasil. Com Bolsonaro, Amazônia tem maior Desmatamento desde 2006. https://www.greenpeace.org/brasil/blog/com-bolsonaro-amazonia-tem-maior-desmatamento-desde-2006/
[14] https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/noticias/noticias/304-desequilibrio-da-amazonia-se-aproxima-do-ponto-de-nao-retorno
[15] https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/03/29/ibama-exonera-servidor-que-multou-bolsonaro-por-pesca-irregular.ghtml
[16] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/03/23/onu-denuncia-ataques-de-bolsonaro-aos-indigenas-e-cita-violacao-de-tratados.htm
[17] https://www.brasildefato.com.br/2022/03/08/veja-nove-vezes-em-que-bolsonaro-atacou-os-direitos-das-mulheres
[18] https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-tem-historico-de-acoes-agressivas-contra-mulheres/
[19] https://diplomatique.org.br/os-direitos-lgbt-sob-o-governo-de-bolsonaro/
[20] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4976459-bolsonaro-afirma-que-pautas-lgbt-destroem-a-familia-e-comemora-pautas-na-mao-de-mendonca.html
[21] https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/29/deus-patria-familia-lema-de-bolsonaro-tem-origem-fascista-entenda.htm
[22] https://www.cut.org.br/noticias/entenda-o-que-e-fascismo-e-por-que-o-governo-bolsonaro-flerta-com-o-regime-0d21
[23] Bolsonaro diz novamente que negro é pesado em arrobas e ironiza condenação em fala no 'cercadinho' https://www.youtube.com/watch?v=g_h8Uw4KO-0 
[24] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/05/bolsonaro-volta-dizer-que-negro-e-pesado-em-arrobas-e-ironiza-sua-condenacao.shtml
+https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/08/bolsonaro-repete-2018-e-ignora-politica-para-negros-em-programa-de-governo.shtml
[25] https://exame.com/brasil/7-vezes-em-que-gays-e-mulheres-foram-alvo-de-bolsonaro/
[26] https://www.cut.org.br/noticias/frente-de-evangelicos-declara-apoio-a-lula-e-compara-bolsonaro-a-anticristo-3491


segunda-feira, fevereiro 14, 2022

Diversidade, diferença e cultura: conjugações possíveis frente às novas técnicas psicopolíticas de poder


Podemos viver juntos? Sem dúvida, de algum modo vivemos juntos, seja em um lar, num bairro, na cidade, num Estado-nação ou em nossa aldeia global. Contudo, juntos de que jeito? Quais os desafios éticos em tempos de recrudescimento da violência? Nos últimos dias assistimos alguns episódios não isolados da brutalidade humana, o assassinato e linchamento do imigrante congolês que foi reivindicar o pagamento por seu trabalho e o linchamento de uma jovem transvestigênere em uma escola em Mogi das Cruzes. O presente ensaio traz algumas reflexões a partir da minha práxis atuando em coletivos e como docente e multiplicador de formações em diversidade e inclusão.

Aula palestra ministrada dia 12/02/2022 na formação de Diversidade e Inclusão Social em Direitos Humanos | ODS – Agenda 2030 vinculada à Pró-reitora de Extensão da USP

Acesse aqui.


segunda-feira, janeiro 18, 2021

Turismo Pós-pandemia: vai voltar, mas será diferente.

O impacto ainda está sendo estimado, visto que a pandemia e suas consequências seguem em curso. Já sabemos que a paralisação do turismo e a recessão econômica têm ocasionado o fechamento de empresas, perda de empregos, aumento do trabalho informal e, por consequência, a precarização da vida. Tudo isso tende a agravar problemas sociais no Brasil, o que impactará na saúde das pessoas e destinos. E o turismo é, antes de qualquer coisa, um fenômeno social, ou seja, os fluxos de pessoas dependem de variáveis culturais, comportamentais e expectativas pessoais. A percepção de segurança, a priorização de necessidades e a busca por resignação ou superação de uma pandemia deve influenciar nas dinâmicas do setor. Nesse sentido, uma tendência é o desenvolvimento local, processos de enraizamento e valorização da arte, cultura e ambiente em resposta a atual conjuntura de destruição, descontinuidade e desconstrução, que não são apenas em consequência da pandemia, mas também da economia e da política. Não há segredo, a recuperação após termos uma segurança sanitária será gradual, conforme recuperemos o poder de consumo e o bem-estar social. E, para mim, o melhor caminho é se associar e positivar a cultura e o ambiente.

O turismo de férias vai, em algum momento, voltar. Mesmo que demore alguns anos, as pessoas vão viajar. Em relação ao setor MICE (congressos, conferências, seminários etc.), alguns podem mudar, outros não. Talvez em um primeiro momento, em resposta à recessão econômica, seja uma alternativa vantajosa financeiramente, contudo, não me parece que seja uma tendência a qualquer público e setor. Ter um desempenho bom e eficiente não necessariamente supera as expectativas do público e o fideliza, promove networking, etc. Talvez algumas palestras e negociações se adequem bem a esse modelo, visto que a mediação é limitada e muitos querem apenas prestigiar ou consumir. Já as conferências, feiras e eventos que pressupõem uma maior interação e apelos semióticos, bem como diferentes linguagens não devem se limitar ao ambiente virtual, pois restringe a experiência de seu público. Além disso, alguns rituais não são meras formalidades, eles agregam valor como, por exemplo, os coquetéis e os serviços agregados que possibilitam experiências.

Antes da pandemia notávamos que os hotéis estavam lançando marcas e serviços com apelo para o lifestyle, para o compartilhamento, para a reunião das pessoas. Já as empresas aéreas estavam colocando cada vez mais gente dentro de um avião. Isso pode mudar a curto prazo, mas acredito que com o tempo isso seja retomado. O mais difícil será recuperar as condições sociais para tanto. Somos seres socializáveis, sempre nos deslocamos e atualmente um conjunto de imagens potencializam esses desejos. A socialização, a experimentação e as viagens estão num período de latência. E ao que tudo indica, dentre os diversos estilos de vida, um aspecto parece ser comum entre todos: congregar a conexão, o ambiente e aquilo que realmente importa, nossos afetos. Além disso, cada empresa terá o desafio de definir seu posicionamento, considerando a sensibilidade aos preços, perfil de seus consumidores, dentre outros fatores que já conhecemos.

Estamos numa fase de constantes mudanças e agravamento de crises econômicas, ambientais e sociais. Possivelmente - e assim desejo - o turismo seja um horizonte construtivo diante de tanta destruição, de modo a estabelecer pontes entre essas dimensões. Para tanto, a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil precisam estar integrados neste projeto. Em meio a tantas perdas e lutos, precisamos germinar o novo, acreditar na potência da vida e pessoas, valorizando-as na prática, cotidianamente, no desenvolvimento de uma atividade ética e justa, visto que o turismo une sonhos, trabalho, tempo e ambiente. E a pandemia nos convida a olhar para tudo isso.


*Texto enviado como contribuição à Agência de Notícias Brasil-Árabe 

Fábio Ortolano é docente no Senac Aclimação, bacharel em Turismo, mestre em Mudança Social e Participação Política e doutor em Psicologia Social.

terça-feira, novembro 03, 2020

Minorias sociais e a tríade resistência comum

 

Artigo publicado originalmente no Portal Novo Momento

As minorias sociais, segundo o sociólogo Luís Chaves, são grupos de pessoas que de algum modo encontram-se numa situação de tratamento discriminatório em relação aqueles que detêm status de privilégio. Em outras palavras, são pessoas socialmente em posições de desigualdade ou em situação de vulnerabilidade. São grupos sociais subrepresentados nos espaços de poder
e de autoridade moral. 

Essas posições sociais são construídas num processo histórico de preconceitos e estigmas. No Brasil, infelizmente, carregamos uma herança colonialista, escravagista, segregacionista, classista, patriarcal e moralista. Tudo isso produz lugares de subalternidade aos negros, mulheres, pobres, pessoas com deficiência, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e adeptos às religiões perseguidas. 

Desde a segunda metade do século XX, uma série de movimentos sociais, dentre eles o feminista, o negro, o LGBTI e o de pessoas com deficiência, têm pautado os direitos redistributivos, que compreendem os direitos políticos, civis e sociais; bem como os direitos de reconhecimento, reivindicando novas legitimidades e reconhecimento moral. 

Para tanto, todos esses movimentos expressam em comum uma tríade resistência estética, linguística e moral. Fazendo de seus corpos potência de transformação e construção de suas identidades; usando a linguagem como forma de ressignificação, fazendo das palavras um meio para revisar estigmas e contrapondo-se ao machismo, ao classismo, ao racismo, ao homotransfobia e ao capacitismo, de modo que saibamos conviver com as diferenças e respeitando a alteridade do outro. O multiculturalismo precisa que pessoas e instituições (escola, família, governo, empresas) sejam corresponsáveis pela afirmação desse valor comum.

quarta-feira, abril 08, 2020

Um conto do hoje


Dotado de uma licença poética e audaciosa, esboço uma paródia da incrível e revolucionária fábula de Rachel Carson, da obra Primavera Silenciosa.

Era uma vez uma cidade no interior do Brasil onde tudo parecia estar em constante harmonia.  Os seres humanos e os animais coabitavam um espaço rico e belo em natureza, um lugar mágico. A formação geológica ensinava sobre a dimensão do tempo e espaço; os cursos d’água e suas quedas aludiam à importância dos ciclos e potência da vida; as árvores e os pássaros revelavam a beleza de pertencer e estar num lugar. Tudo isso compunha uma paisagem cênica impar. Na cidade formava-se um vale, de onde - do alto - se via o horizonte, o amanhecer e o anoitecer em sintonia com um cenário repleto de riquezas biológicas e ecológicas de um país tropical.
Pelo caminho, era possível ver nas gramíneas os orvalhos, sentir o cheiro da terra, o frescor do clima e o barulho das águas. Para chegar à primeira cachoeira, descia-se uma escada lapidada pelo homem, serpenteada pela vegetação e, lá em baixo, encontrava-se uma gruta e um pequeno represamento natural. As crianças brincavam na água, alguns se arriscavam, saltavam e pulavam, outros se penduravam nos galhos e balançavam até se soltarem. Casais, amigos e famílias faziam piqueniques aos finais de semana. Os viajantes que passavam por lá ficavam encantados com o oásis de verão.
Às vezes a neblina dificultava ver o horizonte, nada que tirasse o encanto e os mistérios do lugar. Ao contrário, estimulava a atenção curiosa, remetia os sonhos de infância e a admiração pela vida bucólica, tranquila e silenciosa junto aos sons naturais.
Vários fatos se sucederam naquele lugar.  Certa vez, um senhor, munido com pedaço de pau, se defrontou com uma cobra, domando-a para sua segurança. Em dada ocasião, uma pessoa, desacreditada na vida, jogou-se peral abaixo. Numa manhã, em que uma forte neblina pairava sobre o local, um guarda ordenou que um meliante corresse o mais rápido que pudesse em direção ao penhasco para que não morresse à bala e ninguém sabe seu fim. Conta-se também que numa tarde de chuvas fortes um gado teria entrado no córrego e sucumbido à velocidade da água, caindo de cima da maior cachoeira. No passado, as mulheres iam lavar roupa naqueles arroios e as crianças, acompanhadas de amigos e familiares, aprendiam a nadar nos pequenos represamentos. Num entardecer viu-se uma senhora fazendo suas preces e dispondo no curso d’água suas oferendas.
Os dias seguiam como sempre, mamíferos (incluindo os seres humanos), répteis, anfíbios, aves e insetos viviam e transitavam naquele lugar, próximos às nascentes, aos arroios e córregos.  Tudo em equilíbrio no bioma com a maior biovidersidade do mundo, a Mata Atlântica.
Eis que tudo começou a mudar, como se um feitiço encerrasse a magia daquele lugar. Os animais começaram a ir embora, proliferaram espécies invasoras, infiltraram pragas e multiplicaram os animais peçonhentos.
As pessoas deixaram de ir para aquele lugar, deram as costas. Não mais o enxergando, começaram a jogar todos os seus dejetos, descartando lixo e entulho, despejando esgoto e até desovando corpos. O lugar foi se desfigurando, não mais visto como aquele lugar colorido e vívido. Passou a ser visto como um buraco, uma sobra urbana, cinza, pálida, suja e fétida. A única vida possível notada passou a ser a marginal, da drogadição, da decomposição, da delinquência e dos descartes.
Com efeito, foram aparecendo novas doenças infectocontagiosas, virais e respiratórias. Mais ainda as pessoas  se afastaram, presas e enfermas em suas casas, onde ilusoriamente encontravam a segurança de um bem-estar.
O mato foi crescendo, os grupos de turistas não passavam mais e no imaginário social aquele lugar era cada vez mais perigoso e sujo. Não mais misterioso, passou a ser suspeito. Até mesmo os livros que citavam esse lugar foram esquecidos.  Os desejos foram se sobrepondo, a tonalidade da água modificando, os animais e espécimes vegetais se extinguindo. Até o solo foi se desconfigurando, assoreando os cursos d’água, erodindo a terra e dilacerando as fendas com a velocidade da água.
Não foi nenhuma atividade mística ou bruxaria que condenou esse lugar, mas, sim, a própria população que o devastou e – hoje- enxerga suas consequências. Essa cidade existe, pode ser Americana, no interior de São Paulo, ou São Francisco de Paula, no estado do Rio Grande do Sul. Não apenas essas cidades, mas tantas outras Brasil afora. Cenários de um processo conflituoso de antropização do meio natural.

*A presente fábula foi publicada na tese de doutorado "Consciência política e ambiente: a desproteção de parques municipais em Americana (SP) e São Francisco de Paula (RS)", defendida no Programa de Psicologia Social da USP. Para acessar a tese, clique aqui.


Um conto do hoje aqui.




sexta-feira, abril 03, 2020

Diversidade e Inclusão nas Organizações - EAD

Diversidade & Inclusão nas Organizações é uma pauta emergente na atualidade. Costumo dizer que, assim como no final do século XIX e início do século XX, as questões ambientais foram incorporadas nas culturas organizacionais das empresas mundo afora, desde a década passada as políticas de reconhecimento e identidades têm ganhado força tanto nas mídias quanto nas diversas instituições sociais, sejam as escolas, igrejas, poderes instituídos, família e empresas.

Diversidade refere-se ao que é diverso, diferente, variado e variedade; um conjunto variado; multiplicidade. Já Inclusão é ato ou efeito de incluir, torna-se parte; envolver-se num tecido social. Ou seja, quando falamos em Diversidade & Inclusão trata-se do reconhecimento e da convivência e coabitação de múltiplas identidades.  

A diversidade na sociedade contemporânea traz em seu bojo um conjunto de significados, desde aqueles que aprendemos nos tempos de escola, sobre a miscigenação dos povos; a biodiversidade, composta pela flora, fauna, todos seres vivos existentes na biosfera, em diferentes ecossistemas; bem como as construções atuais, a reinvindicações por reconhecimento e empoderamento de minorias políticas e sociais, sejam elas mulheres; pretos e pardos; pessoas com deficiência; idosos;  indígenas; lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, refugiados, dentre outras.

Vale ponderar que minorias políticas não é o mesmo que minoria numérica. Minoria política ou social são grupos marginalizados dentro de uma sociedade devido aos aspectos econômicos, sociais, culturais, físicos ou religiosos; aqueles que estão sub-representados nos espaços de poder.

Se pensarmos que determinadas empresas possuem a mesma quantidade de pessoas que uma cidade de médio porte no Brasil, bem como que passamos a maior parte do tempo de nossas vidas dedicados ao trabalho, devemos considerar que as empresas têm um papel essencial na transformação social e afirmação de direitos.

A valorização da diversidade é um ponto de partida para a justiça social. Assim, nesse curso, trabalharemos Direitos Humanos e diversidade; veremos algumas Leis vigentes no Brasil referente ao tema; as tendências na cultura organizacional e alguns indicadores de mercado, bem como como implantar um programa de D&I . Vamos lá? 

Assista ao vídeo para introdução no curso. 



Faça o curso EAD aqui.

Fábio Ortolano | Doutor em Psicologia Social, professor no SENAC SP, unidade Aclimação.