quinta-feira, outubro 18, 2018

Direitos Humanos: a Declaração Universal num cenário de polaridades*

Nesse ano, em 10 de dezembro de 2018, completaremos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E no título, pontuamos uma provocação. Quais as consequências para esses direitos num cenário de polaridades?

Primeiramente, os antecedentes. Na Antiguidade, Ciro, o Grande, libertou os escravos em seu império na Pérsia, considerando a noção de igualdade. Jesus Cristo na Judeia defendeu as prostitutas, os pobres e os menos favorecidos, contrapondo-se às injustiças. Na Idade Média, se instituiu o parlamento na Inglaterra, questionando e dissolvendo a centralidade de poder. Ao final da Idade Moderna, ante a monarquia, a aristocracia e a Igreja, a Revolução Francesa trouxe os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade pela república democrática. Assim, podemos observar que historicamente os Direitos Humanos sempre estiveram em disputa, mesmo que não nomeássemos assim.  

Embora sempre em voga, eles nunca foram de todos. Os países nórdicos continuaram a explorar suas colônias, os regimes autoritários seguiram negando as liberdades individuais e pessoas continuaram sendo violentadas, a exemplo o genocídio indígena nas Américas e a escravidão no mundo. Contudo, dois fatos históricos da II Guerra Mundial foram determinantes na busca da universalização dos Direitos Humanos: o holocausto, assassinato em massa de seis milhões de judeus, metade da população judaica no planeta à época; e os bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, os quais além de matar milhares de pessoas instantaneamente, trouxeram grandes consequências posteriores inestimáveis por conta da radiação. Ambos os fatos deram a noção de nossa capacidade destrutiva e da condição que temos de extinguir a humanidade do planeta terra.

Nesse sentido, nasce em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sua finalidade, com base contratualista, é assegurar os atributos da dignidade da pessoa humana, sua vida e liberdade; seus direitos civis, políticos e econômicos; bem como a salvaguarda da paz. Prevê a autodeterminação dos povos e a democracia, ou seja, a soberania popular. Considera os Direitos Humanos processuais, históricos e passíveis de aperfeiçoamento, sendo geridos por meio de sistemas internacionais, regionais, nacionais e locais. Como exemplo, temos a Organização das Nações Unidas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Ministério dos Direitos Humanos e as secretarias estaduais e municipais de direitos humanos e cidadania.

Posto isso, quais as consequências para esses direitos num cenário de polaridades na atualidade?

A meu ver, a polaridade se dá em duas dimensões, a primeira delas, material, em que antagonistas se contrapõe em cena. Foi assim na formação dos impérios, na condenação de Jesus Cristo, na Guerra Fria, nos regimes totalitários, nas revoluções liberais, socialistas, burguesas, de trabalhadores e nos movimentos ambientalistas e das minorias políticas. O reconhecimento de antagonistas é uma dimensão da consciência política e da participação. Segundo, a polarização é também uma estratégia discursiva, cognitiva e ideológica de condução das massas. Nesse caso, pode compactar a complexidade social, estrutural e política num quadro interpretativo limitado, até maniqueísta, conduzido muitas vezes pelas emoções.  O que quero dizer com isso?
Embora a materialidade da vida, as lutas e as resistências nos coloquem em posições antagônicas, relevantes para consciência politica e participação, é preciso dar atenção quando isso se torna uma força compreensiva limitante, paralisante e destrutiva. O problema é quando a polarização, embalada pelo contágio emocional, corrói as bases dos direitos humanos, como a democracia, a salvaguarda da paz e dos atributos da pessoa humana.  

Eis aí o nó que está nos enforcando na atualidade. Influenciados por mais que uma polarização material, sobretudo e massivamente por uma polarização discursiva, limitamos a leitura da realidade e desacreditamos na capacidade de mudança, nas instituições, na ética e, por fim, em nós mesmos. Deste modo, a polarização discursiva em alguns casos se torna uma força paralisante e destrutiva. Como disse Jurandir Freire Costa, em “A ética democrática: o lado privado da violência pública”, a forma suicida com que nos deixamos invadir pela violência, sem fazer nada, é talvez um sinal desse desejo latente de destruir o que não temos coragem de transformar (Jurandir F. Costa, 1997, p. 82).

Mediante a destruição das bases dos Direitos Humanos e os casos de violência que assistimos nesse cenário, precisamos nos abrir ao diálogo e posicionarmo-nos em defesa dos direitos humanos. Não podemos admitir o caos, tendo alguns caminhos possíveis para enfrentá-lo, entre eles, a) preservarmo-nos, sem qualquer garantia de que não seremos afetados por toda conjuntura social; b) acreditarmos nas instituições (partidos, poderes instituídos, leis, acordos internacionais etc.), reivindicando-as como sociedade civil e participando da vida pública e c) projetarmos no outro a mudança que queremos, contando com a sorte que ele faça o que almejamos.

As consequências já nos parecem claras, o que nos resta é o posicionamento.

Convém ponderar que a Carta da Paz Social, de 1945, elaborada na I Conferência das Classes Produtoras do Brasil (Conclap), é o documento fundador do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Social do Comércio (SESC) e prevê no seu primeiro artigo “A manutenção da democracia política e econômica e o aperfeiçoamento de suas instituições são considerados essenciais aos objetivos da felicidade social e à dignidade humana”. (Carta Social da Paz, 1945). 


*Carta convite para o evento “Direitos Humanos: a Declaração Universal num cenário de polaridades” da Semana SENAC de Diversidade e Inclusão.


Quando: Dia 25 de outubro às 19:30h.

Onde: SENAC Aclimação | Rua Pires da Mota, 838. No foyer, 1º andar. 


Para se inscrever, clique aqui.


Semana Senac de Inclusão e Diversidade 2018

domingo, outubro 07, 2018

A velha disputa nacional forjada de mudança


© AFP 2018/ Nelson Almeida
O Brasil desde a colonização vive três disputas: moral, econômica e fundiária, todas elas mediadas pela violência. Foi assim com os indígenas, com os negros escravizados e com aqueles que se opuseram aos padrões normativos. Hoje, se reproduz nas periferias urbanas, no campo e áreas naturais, nos trabalhos precarizados e direcionadas às minorias políticas (Mulheres, LGBTs, Indígenas, Negros, Pessoas com Deficiência e Refugiados).

Involuntariamente, eu acompanho o Bolsonaro desde 2011, quando, inclusive, escrevi um texto aqui sobre as semelhanças dele com um parlamentar estadunidense da década de 1970. Desde sempre medíocre, mentiroso e antiético.

Bolsonaro representa esse projeto de violência e privilégios que sustenta o país mais desigual do mundo e eu explico o porquê.

Primeiro, sua perversidade moral: diante de um avanço progressista, em 2011, ele inventa uma série de mentiras sobre um material contra homofobia do Ministério da Educação e, em 2018, reforça a mentira em rede nacional, usando uma publicação estrangeira. Defende abertamente a tortura, a violência contra LGBTs e mulheres, inclusive fazendo apologia ao estupro, e já se referiu aos quilombolas e negros como vagabundos, classificando-os como gados. Tudo isso gravado e compartilhado em mídias sociais. E, pasmem, dissimula.

Segundo, a conveniência econômica. Por que ele faz sinal de tiro com crianças de colo? Pois, representa os interesses das empresas armamentistas. A liberação das armas, além de acirrar a violência pública e matar pessoas inocentes, representa um mercado promissor e altamente lucrativo às empresas privadas. Também recebe apoio de empresários, como o líder do Grupo Havan, que coage funcionários a votarem em seu candidado. Um grupo em franca expansão, congregando mais de cem lojas de departamentos, bem como outros empreendimentos de geração de energia elétrica, postos de combustível e hotelaria. De fato, não está preocupado se é o PT que estará no poder, pois mesmo na gestão desse partido o grupo ascendeu, e muito, trata-se dos interesses em otimizar os lucros, precarizando o trabalho e as leis trabalhistas. E Bolsonaro já votou à favor da reforma trabalhista de Temer.

Terceiro, a questão fundiária. Ele defende a revogação das terras indígenas e a destruição de Unidades de Conservação. Estamos aniquilando culturas tradicionais e destruindo ainda mais biomas ameaçados de extinção, ecossistemas da Mata Atlântica e Cerrado, bem como a maior floresta do mundo, a Amazônia, perdendo espaço para soja e alimentos transgênicos e ele ainda defende a revogação de áreas protegidas. Ele não está sozinho, as empresas nacionais e internacionais de mineração estão com ele, o apoiam, e os impactos nós vimos recentemente com o maior crime ambiental da nossa história, a avalanche de lama com rejeitos de minérios, causada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).

São as mesmas disputas que se reproduzem desde o Brasil colônia e hoje são camufladas numa retórica de mudança. Bolsonaro se diz diferente dos outros políticos. Ele tem 27 anos de vida política, quase 03 décadas e nunca fez qualquer mudança, apenas enriqueceu. Nunca fez qualquer projeto de lei anticorrupção, nunca! Em tantos anos aprovou dois projetos, dois! E mais, confessou ter recebido 200 mil da JBS, é acusado de ter funcionária fantasma, receber propina de campanha, de nepotismo e usou auxílio moradia tendo com casa própria. Reproduz a herança política junto aos seus familiares e o fisiologismo político, ou seja, toma decisões em benefícios privados ao invés do bem comum. Não à toa, se sustenta nas bancadas mais fisiologistas do Congresso Nacional, a da bala, do agronegócio e da bíblia, a velha tríade do poder.

Imagem do clipe Perfeição, Legião Urbana.
Escrevendo esse texto, escutei fogos em comemoração ao resultado da eleição no primeiro turno, na qual ele foi o presidenciável mais votado. Lembrei da música “Perfeição”, da Legião Urbana. “Vamos celebrar nossa bandeira, nosso passado de absurdos gloriosos. Tudo que é gratuito e feio, tudo o que é normal. Vamos cantar juntos o hino nacional (...) Vamos festejar a inveja, a intolerância, a incompreensão. Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada”.


Para saber mais:

É #FAKE que livro citado por Bolsonaro no JN é o que aparece com carimbo de escola de Maceió (G1)
https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/09/04/e-fake-que-livro-citado-por-bolsonaro-no-jn-e-o-que-aparece-com-carimbo-de-escola-de-maceio.ghtml

Mineradoras, agronegócio, armas e 'indústria da fé' bancam Bolsonaro (Rede Brasil Atual)
https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/10/mineradoras-agronegocio-armas-e-igrejas-financiam-bolsonaro

Bolsonaro ensina criança imitar arma com a mão (O Globo)
https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-ensina-crianca-imitar-arma-com-mao-22905093

Ao explicar R$ 200 mil da JBS, Bolsonaro admite que PP recebeu propina: “qual partido não recebe?” (Jovem Pam)
https://jovempan.uol.com.br/programas/ao-explicar-r-200-mil-da-jbs-bolsonaro-admite-que-pp-recebeu-propina-qual-partido-nao-recebe.html

Análise da emergência do comportamento fascista. Luiz Eduardo Soares, antropólogo, cientista político e escritor.