quarta-feira, julho 10, 2019

Reforma da previdência: a desfaçatez insolente e sórdida das elites econômicas

Não é à toa que a pauta da reforma – nos termos mais apropriados, a destruição - da previdência saia na seção de economia e não de política na grande mídia. Uma das primeiras matérias publicadas no portal UOL, que aborda como cada deputado federal votou no primeiro turno, curiosamente, traz na mesma página especulações financeiras e oscilações de valores das moedas. Tal reforma forjada, de fato, é mesmo mais uma questão econômica e financeira do que propriamente política, do interesse cidadão e do bem comum. Ela visa a transformar direitos em produto de mercado, garantias sociais em itens de lucro e especulação financeira.
Há muito tempo as elites econômicas tentam nos convencer da lorota que existe um déficit na previdência. Elas mesmas usurpam dos recursos e depois deturpam a realidade novamente em benefício próprio. Desde a promulgação da Constituição Cidadã, de 1988, buscam derrubar os direitos sociais previstos nela. Numa matéria publicada em 27 de julho do mesmo ano, no Jornal Folha de São Paulo, José Sarney, presidente à época, aponta um déficit na Seguridade Social, justificando uma ingovernabilidade do país, dado este diferente do apontado pelo ministro da previdência na ocasião.
A Seguridade Social compreende os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. O orçamento é composto por contribuições de trabalhadores, de empresários e por repasses de tributos do Estado.
O Relatório final da CPI da Previdência de 2017 evidencia que não existe déficit. Mostra que, na realidade, dentre alguns fatores, o rombo se dá tanto por dívidas, desvios e sonegações quanto por desonerações de empresas e pela DRU (Desvinculação de Receitas da União), a qual possibilita retirar atualmente até 30% dos recursos da Seguridade Social para investimento em outras áreas, como o pagamento dos juros da dívida pública, que por fim acaba transferindo esses recursos aos bancos. Em 2013, foram mais de 113 bilhões desviados da S. Social via DRU, segundo dados oficiais, publicados pela Associação Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP)[1]. A mesma CPI aponta que empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência, segundo portal do Senado[2].
O déficit é um dos principais argumentos utilizados pelo governo e outros defensores da reforma da previdência, contudo, segundo a ANFIP, por conveniência, esse argumento oculta receitas e incha artificialmente as despesas para tramar seu resultado. Querem que os trabalhadores paguem a conta de tantos desvios, politicagem, sonegações e dívidas de empresas.
Como podem aprovar a desoneração de 83 bilhões de ruralistas, não cobrar a dívida de bancos e empresas privadas, tal como a Havan, que deve 168 milhões para Receita e ao INSS[3] e, ao mesmo tempo, imporem aos trabalhadores com diferentes expectativas de sobrevida (que calcula o tempo de vida após as pessoas se aposentarem) o aumento do tempo mínimo de trabalho? Na prática, alguns trabalhadores nunca irão se aposentar.
Nesse ínterim, deputados sórdidos descaradamente trocam seus votos de uma pauta tão relevante por emendas parlamentares oferecidas pelo governo a toque de caixa e a Federação da Indústria numa desfaçatez insolente por meio de seus bichos infláveis diz que o empresariado “não pagará o pato” nem “engolirá o sapo”. E a título de constrangimento, na votação em primeiro turno, o deputado federal de Americana, Vanderlei Macris, votou a favor dessa reforma obscena que nos empurra goela abaixo a destruição de nossos direitos.





[2] Senado Notícias. Empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência, mostra relatório final da CPI https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/10/23/empresas-privadas-devem-r-450-bilhoes-a-previdencia-mostra-relatorio-final-da-cpi
[3] Carta Capital. MTST ‘compra’ em loja da Havan e paga com cheque da dívida de Hang https://www.cartacapital.com.br/sociedade/mtst-compra-em-loja-da-havan-e-paga-com-cheque-da-divida-de-hang/


sexta-feira, março 29, 2019

Adeus outras sete quedas?


“Sete quedas por nós passaram e não soubemos amá-las”, assim dizia o texto de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1982 no Jornal do Brasil, uma crítica à construção da hidrelétrica de Itaipu e a destruição do Parque Nacional das Sete Quedas.   

Marco no movimento ambientalista no Brasil, a resistência contra o represamento do Rio Paraná nos revelou um ideal equivocado de progresso, no qual outras leituras desenvolvimento local, relação ser humano e natureza e proteção da biodiversidade foram solapados e submersos por uma visão hegemônica de mudança social e intervenção no meio. Represou-se toda potência turística, riqueza natural e força d’água para simplesmente tornar-se energia.

Embora o fato tenha ensinado muito, enquanto brasileiros, aprendemos pouco, haja vista a reprodução das mesmas práticas nos dias de hoje. Assusta-nos os desastres ambientais em Mariana e Brumadinho, mas não olhamos pro nosso próprio quintal. Em Americana, assistimos à fragmentação da maior área natural pública, o Parque Natural Municipal da Gruta, uma unidade de conservação, frente à construção de outro logradouro para o fluxo de carros, mercadorias e pessoas alienadas em seu cotidiano e experiência do espaço-tempo.

A obra de interligação dos bairros Parque das Nações e Parque da Liberdade, pela Av. Florindo Cibin, representa o soterramento e transposição de terra e cursos d'água, extração vegetal, ameaça aos pequenos mamíferos que ali resistem e prejuízos irreversíveis à paisagem e integralidade do parque, tudo referendado por interpretações frias de burocratas alheios à importância da área e suas minuciosidades.

Curiosamente, as águas das sete quedas do Parque da Gruta, hoje ainda mais ameaçadas, caem no Rio Piracicaba, escoando no Rio Tietê, que por sua vez deságuam no Rio Paraná e encontram as sete quedas submersas.