quinta-feira, dezembro 03, 2015

Ocupações das escolas paulistas: o que toca em todos nós*

Caro leitor, que estado é esse que ostenta o título de mais rico do país e se esquiva de uma vida crítica, consciente e cidadã? Que estado é esse que teme e se põe indiferente aos estudantes e professores e, concomitantemente, acredita em empresas capitalistas supostamente de boa-fé.  Nosso estado de São Paulo é patético, um algoz para educação! E eu digo porquê.  

A proposta de reforma na rede estadual de ensino encaminhada pelo governador Geraldo Alckmin, referendada pelos deputados americanenses Cauê Macris e Chico Sardeli e outros na Assembleia Legislativa, é um desserviço à democracia. Uma decisão vertical, autoritária e ilegítima.

Convém ponderar que, conforme a Constituição Federal de 1988, cabe ao executivo exercer a função administrativa, adotando os princípios da soberania popular e da representação, ou seja, atender as demandas de sua base, as comunidades. Nesse sentido, é responsabilidade do governador, junto à equipe que o assessora, construir, definir e implementar políticas públicas que venham ao encontro dos interesses da população e não de suas vontades. E consta-se que a comunidade escolar não foi escutada.

Esse embate que nos saltam aos olhos é apenas um sintoma de um Estado mercantil. As ocupações dizem mais do que a contraposição ao fechamento das escolas, elas expõem a mediocridade da população paulista, que ludibriada pelos discursos elitistas de controle, autoriza sistematicamente o sucateamento do ensino público. As ocupações juvenis nos mostram que é preciso pararmos de obedecer, obedecer e obedecer como gados acríticos e irracionais.

Sejamos francos, esse projeto de alienação está diante de nós o tempo todo e não queremos enxergar. Fala-se mais do time que ganhou na quarta e da salvação, pelo consumo de fé individual, do que das realidades que afetam todos. Preferimos, por ingenuidade ou perversidade, acreditar na boa intenção de uma empresa multinacional petrolífera que constrói quadra poliesportiva em comunidade dominada pelo tráfico de drogas e esquecemos ou não olhamos que a mesma, ao mesmo tempo, sustenta a guerra e o terrorismo internacional. 

*Texto originalmente enviado como colaboração ao jornal O Liberal

quarta-feira, outubro 28, 2015

“Frescáh no Círio”: a tríade resistência estética, linguística e moral de Leona Vingativa*

Imagem do clipe "Frescáh no Círio"
 Acervo virtual, autor desconhecido. 
Com irreverência criativa, Leona Vingativa e seus amigos, de Belém do Pará, fazem uma paródia do Círio de Nazaré por meio de um vídeo compartilhado no YouTube. Frescar, na linguagem popular, significa tirar sarro, zombar. Na presente interpretação, a sátira estrelada por jovens paraenses representa a tríade resistência estética, linguística e moral frente à hegemônica leitura do corpo e sexualidade na sociedade brasileira. É um contraponto artístico à leitura fundamentalista, puritana e classista operante em todo país desde sua colonização ibero-cristã.
         Tal resistência é observada desde as cenas, scripts e personagens apresentados no videoclipe. O cenário não compreende as paisagens dos grandes centros urbano-mercantis, nem mesmo a ostentação da propriedade privada e dos espaços de glamour das sociedades fashionistas e do espetáculo. O vídeo mostra, dentre outras coisas, as periferias de casas inacabadas, os equipamentos públicos de lazer fora do mercado de consumo e o despejo do esgoto, produção humana, nas bacias hidrográficas. Retrata sujeitos que não se adequam às expectativas e posturas disponíveis na cultura cristã, heteronormativa, machista e burguesa. Assim, os personagens reivindicam um lugar ao sol àqueles que estão marginalizados, junto à corda de uma das maiores manifestações religiosas do Brasil, considerando que a fé é um direito de todos. Essa é, certamente, a primeira ruptura estética, quando o ideal de belo não se restringe às elites.
    O clipe inicia com duas cenas deflagradoras da tentativa de instituição do fundamentalismo na cultura. A primeira apresenta o pastor e Deputado Federal Marco Feliciano solicitando o uso da força policial para inibir a demonstração de afeto homossexual num culto religioso. A segunda relaciona a transcrição de um versículo bíblico em paralelo ao retrato das religiões assimilacionistas, como a Espírita e a Umbanda, sempre perseguidas no Brasil. Esse embate entre as cenas reproduzidas e criadas no vídeo exemplifica o controle sobre os corpos exercido pelos dispositivos de poder nas sociedades ocidentais.
O vídeo, enquanto um campo de interlocução e ação, rompe com a desconstrução moral de crenças que não se enquadram na perspectiva monoteísta cristã, esta cristalizada historicamente em nossa cultura pelo uso da força e das instituições. A ironia do “Frescar o Círio” aponta novos sentidos e significados ao que é simbolizado coletivamente, como o gênero, o corpo e a sexualidade.
Leona, a diva do roteiro, ao invés de aparecer num carro conversível ou de luxo, sobe e samba num caminhão Ford da década de 1980. E, ao que parece, não se trata de uma opção pelo vintage, mas sim do que se tinha disponível. Na sequência da corda, momento em que se mistura erotismo, desordem e fé, os movimentos dessincronizados denotam a negação do erudito em detrimento ao popular. Revela as potencialidades e possibilidades do uso do corpo.
         A indumentária também chama a atenção.  Ao centro, a figura de Nossa Senhora de Nazaré, com manto e coroa alusivos à santidade, mas também usando cinto e calça collant, trazendo a humanidade de sujeitos históricos. As demais personagens vestem minissaia, top, vestido e bandana de tecidos e cores variadas, impactando numa concepção sagrada, essencializada e normatizada para ornamentação dos corpos. Outra contraposição estética, somada à dança erotizada e aos termos de cunho afetivo-sexual. E na música atestam: deixarão as barrocas chocadas.
Barroca, na gíria LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), refere-se às mulheres velhas, segundo Aurélia – a dicionária da língua afiada. O uso de uma linguagem do gueto, de uma minoria política, além de dizer da escolha por termos que afirmam algumas identidades, neste caso, faz uma crítica ao conservadorismo seletivo, que julga moral e belo apenas um modelo estabelecido de script. Nesse sentido, a produção discursiva pela afirmação da multiplicidade de ser no mundo e pelas manifestações diversas da sexualidade é uma resistência linguística.
E nesse universo do possível e de neologismo, duas vezes saltam ao discurso as referências animalescas. Talvez as aproximações aos bichos primem por uma interpretação mais sincera de humanidade, fazendo frente à divisibilidade do ser humano, que lhe põe separado do meio ambiente, distingui corpo e alma e distancia conhecimento e prática. A provocação do clipe supera a ironia crítica, sejam os atores conscientes ou não, pois traz novas formas de conhecimento e legitimidades por meio de uma nova arte.

*Pequeno ensaio escrito para disciplina de Pós-Graduação "Conhecimento, compreensão e novas legitimidades" do DIVERSITAS USP

quarta-feira, setembro 09, 2015

Concepções de Sexualidade e Direitos Humanos

Resumo
A presente Dissertação traz uma análise psicopolítica das concepções de sexualidade e direitos humanos a partir das Paradas do Orgulho LGBT de São Paulo e Campinas, sendo nossa perspectiva epistemológica a produção de sentidos e significados no cotidiano. Inicialmente, apresentamos nosso marco teórico, as concepções de sexualidade e direitos humanos, com base em autores referências na área; em seguida, descrevemos nossa metodologia, a constituição de um survey e o uso da análise de discurso como recurso técnico-teórico para aferir os dados das questões abertas. Na sequência, apresentamos o perfil de nossos respondentes e definimos o campo onde construímos nossa pesquisa, mostrando como a psicologia política nos representa uma possibilidade de estudo interdisciplinar. E, finalmente, apresentamos uma discussão entre o marco teórico e os dados obtidos com o survey, concluindo com uma análise psicopolítica entre os resultados e o cenário político atual, na dimensão dos DDHH de LGBT no Brasil, que nos implica a compreensão dos posicionamentos dos sujeitos políticos que participam desta ação coletiva e nos oferece possibilidades de ações no campo das políticas públicas e da educação para os direitos humanos.

Para acessar no banco de teses e dissertações da USP, clique aqui.

segunda-feira, junho 22, 2015

O golpe do falso testemunho à educação

* Texto originalmente encaminhado ao jornal O Liberal e ao Portal Novo Momento


 Os planos municipais de educação de várias cidades do Brasil, inclusive do estado de São Paulo e sua capital, acabam de sofrer um golpe forjado em falso testemunho e todos nós, sociedade civil em geral, devemos estar atônitos, pois sofreremos as consequências que continuarão escoando sangue por meio da violência doméstica nas famílias, das agressões nas escolas, dos assassinatos cotidianos e da violência estrutural de Estado.

Instituições como a Fundação Perceu Abramo, o Instituto de pesquisa econômica aplicada (Ipea), a Central 180, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Instituto Avon, o Data Popular e o Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm apontado há anos números estarrecedores: mais de 1 milhão de mulheres são vítimas da violência doméstica por ano, sendo quase 60% delas agredidas todos os dias. Entre 2001 e 2011 ocorreram mais de 50 mil feminicídios no Brasil. Em 2013 foram quase 15 mil inquéritos que chegaram à Justiça do Distrito Federal por meio da Lei Maria Da Penha. Em 2014, 03 em cada 05 mulheres jovens sofreram violência em seus relacionamentos. 

Quanto à homofobia, sabemos que o Brasil é a nação que mais mata homossexuais no mundo. A cada 28 horas um homossexual é assassinado no país. Só em 2012 foram quase 10 mil denúncias de violação junto à Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, sendo 338 assassinatos motivados por homofobia, e os números, pasmem, aumentam ano a ano.

As propostas substitutivas aprovadas nas diversas câmaras por pressão de setores religiosos rompem com anos de pesquisas, debates e trabalhos de acadêmicos e movimentos sociais. Mais que isso, denotam uma irresponsabilidade dos parlamentares que ignoram o sistema democrático. Os Planos Municipais de Educação são frutos de pelo menos seis anos de discussões públicas, com ampla participação democrática.  São produtos de conferências articuladas desde 2009 com as comunidades escolares, os gestores públicos da educação e a sociedade civil para pensar desde o ensino fundamental ao superior. Isso quer dizer que diversos atores construíram coletivamente durante anos os documentos e propostas para a educação, visando o futuro do país e da sociedade. Eu mesmo participei dessas etapas e constatei que as demandas por tratar gênero e orientação sexual nas escolas vinham, sobretudo, de sua base, da comunidade de alunos e professores, que faziam cartazes expressando a necessidade de debater violência contra as mulheres e homossexuais, certamente por serem parte dessas estatísticas acima mencionadas. E, afinal, as escolas são parte da sociedade e cumpre respondê-la com a educação para cidadania. A necessidade de tratar gênero e orientação sexual representa uma reparação de injustiças históricas.

Assim, é assustador ver pessoas e setores da sociedade que nunca promovem a participação política em detrimento da condução de rebanhos se pronunciarem contra a “ideologia de gênero”. Isso representa uma desonestidade e ignorância sem dimensão. As emendas de consenso nada mais foram que o silenciamento das minorias políticas. Infelizmente, até compreensivo considerando, por exemplo, Americana, onde temos um parlamento de homens e uma única mulher que nunca fala ou defende as causas das mulheres, a maioria insensível ou pouco conhecedora desses temas. Em Campinas e Santa Bárbara D'Oeste tiveram até a pachorra de proibirem discutir gênero e sexualidade nas escolas, uma inconstitucionalidade. Aliás, já está expresso nas Lei de Diretrizes e Bases da Educação que isso é um tema transversal, portanto, a ser abordado em todas as disciplinas não apenas na biologia como alguns mais conservadores gostariam. Gênero e sexualidade são qualitativos para humanidade, impossível normatizá-los e essencializá-los.

A substituição dos textos não está de acordo com os princípios previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos como apontado em algumas falas, haja vista que silencia as vozes das minorias, universalizando os sujeitos ao invés da dignidade da pessoa humana, não considerando também o princípio da reciprocidade, outra incompreensão pela ignorância. Os demais argumentos são tão incabíveis como este, próprios de quem nunca trabalhou com educação ou pouco sabe quais as demandas que emanam nas instituições de ensino, de quem mal compreende nossa história social. Há até uma absurda defesa da família, instituindo um modelo único possível, obviamente o patriarcal, monogâmico e cristão, desconsiderando os diversos arranjos familiares que temos no Brasil, como aponta o IBGE, e no mundo, desde as culturas indígenas às comunidades orientais e africanas. Isso é um golpe pelos privilégios como se fez brutalmente desde nossa colonização. 

O que os Estados Unidos viveram nos anos 60 e 70, reproduzimos hoje no Brasil, personagens e enredos que de tão parecidos, parecem ficção. Aliás, aqui mesmo falamos sobre as semelhanças de John V. Briggs e Jair M. Bolsonaro.  Fomos incapazes de aprender com erros históricos do passado e promovemos um horror ao invés de um futuro pela igualdade e justiça como prescrevem os acordos internacionais que somos signatários. 

Quanto aos setores religiosos que subitamente apareceram, penso que o perdão da Igreja à humanidade pelo genocídio que desenvolveu na Idade Média não foi capaz de redimir a perversidade de alguns de seus vulgos discípulos, estes tão incompreensíveis. O mesmo ocorre com os demais fundamentalistas religiosos, sem generalizações, que se levantam em falso testemunho, vociferando atrocidades em nome de outro maior, absoluto e incontestável, como a figuras de Deus e Jesus, cristalizadas em nossa cultura. Fundamentalistas que fazem uma interpretação oportunista de um mito, pois o Deus e o Jesus sagrados são amor, ternura e compaixão, não indiferença, ódio e irresponsabilidade intelectual e política. 

sábado, abril 04, 2015

Redução da maioridade penal: um contrassenso da adultez.

Motivada por setores conservadores da sociedade, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 171/93, que visa reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Segue a discussão na casa legislativa, nos conselhos especiais, em fóruns, em debates acadêmicos e nas redes sociais. E o que isso significa?

Para mim, fazer frente à violência com projetos de leis pela redução da maioridade penal é um contrassenso. Isso mesmo! Uma contradição de conduta para nós adultos, haja vista que não há nada mais imaturo que projetar a responsabilidade àquele que não é o responsável.

Não fui claro? Pois bem, caro leitor, deixe-me explicar: acreditar que o sujeito - menor de idade - é a causa da violência que acomete a sociedade, beira a insanidade e uma racionalidade infantil. Revela uma estupidez, preguiça e imaturidade em entender a complexidade de um sistema social, político e econômico que produz toda a intolerância, truculência e selvageria nas diversas sociedades.

A violência é histórica e diz de um processo com múltiplos fatores, logo, tratá-la pontualmente, sob a responsabilização dos sujeitos, representa total falta de coerência própria da adultez.

Defender a redução da maioridade penal é legitimar o genocídio urbano nas periferias das metrópoles e nos interiores Brasil a fora.  E acredito que qualquer brasileiro, com o mínimo de maturidade, reconheça o fracasso do nosso sistema penitenciário.

Recuso-me render-me às respostas fáceis dos telejornais conservadores e elitistas, prefiro olhar qualquer pessoa como sujeito dotado de valor moral. Acredito que só podemos pretender a mudança social se nos enxergarmos como corresponsáveis pelas realidades e mazelas que atravessam todos, de modo que, maduros, tenhamos a capacidade de contestar a estrutura e a estratificação social que produzem a violência. 

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Carnaval em São Paulo, que seja livre e espontâneo.

Gambiarra - O Bloco.
Foto: página do evento.
Quer saber? Salvo os exageros, vamos parar com esse monitoramento excessivo da vida, carregado de moralismo mesquinho e medíocre. São Paulo precisa de lazer. E lazer livre, autêntico e espontâneo, sem a racionalidade controlada do trabalho, da ordem.

Erotismo é isso, uma trégua, uma ruptura, uma explosão em que nos permitimos fugir das regras e dos limites, temporariamente, é claro. É o gozo da vida e nós, humanos, precisamos disso. O carnaval, para mim é isso, independente do que politicamente pode representar, aliás, o erotismo como possibilidade de recreação por si só já é político, sobretudo num espaço controlado. 

Será que não podemos conscientemente administrar as consequências do que fazemos? Será que a cidade mais rica – como adora ostentar – não pode investir numa experiência do lúdico, da diversão e da recreação sem controle, de modo que planeje as ações a tarefas necessárias para tanto?

Reclama-se do lixo, do som, do xixi nas árvores, como se no cotidiano não tivéssemos bairros sem saneamento básico, automóveis que, em funcionamento na metrópole, ultrapassam os limites sonoros aceitáveis e árvores reféns de chuvas ácidas, podas irregulares e projetos de transformação do espaço.

Não se trata de apologia ao descaso e indiferença com o público, ao contrário, é a valorização das experiências, com a sorte de que estas sejam motivos para viver bem em algum lugar, ter pertença e, assim, importar-se, sem ser indiferente. Importamos-nos com aquilo que valorizamos, não apenas através da instituição de parâmetros, leis que assegurem algo como patrimônio, legado ou um bem para o social, mas quando atribuímos sentido, através de nossas experiências subjetivas.

Assim, vamos nos permitir a diversão, o erotismo como parte essencial constitutiva dos sujeitos e que o município se programe para isso, com operações de limpeza, por exemplo. Afinal, quando fazemos uma festa em casa, ao que me parece, se não temos algum transtorno obsessivo compulsivo, não ficamos nos controlando e, ao final, limpamos satisfeitos pelos sorrisos, risadas e conversas celebrados. Que a prefeitura instale banheiros químicos onde os blocos passarem, mas se não forem suficiente, o xixi é orgânico, não é mesmo? Certamente deve ser menos prejudicial que a chuva ácida. 

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

Publicidade Infantil

*Texto originalmente escrito como redação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2014

Exposição "O mundo segundo Mafalda" (2015)
Praça das Artes - SP
Mafalda, personagem do cartunista argentino Quino, é uma menina que sempre se questiona sobre os dilemas da vida, questões políticas, problemas sociais e práticas cotidianas, como o consumo. Do mesmo modo que nesse tipo de arte que traz vida à Mafalda, na publicidade se utiliza uma série de elementos para a comunicação com os interlocutores, imagens, símbolos, representações, etc. Nesse sentido, como no cartum, é preciso que sejamos crítico com a publicidade infantil.

Desde a antiguidade a persuasão sempre fez parte das nossas relações, seja no paradigma greco-romano, quando defendia-se uma ideia pela argumentação ou no paradigma judaico-cristão, quando a Igreja e a filosofia medieval defendiam seus dogmas como máximas comuns a todos. Aliás, foi com a promoção de suas celebrações, venda de objetos santos, entre outras coisas, que a Igreja deu início à publicidade, ainda que à época não se nomeasse de tal modo.

O fato é que se sempre houve a intenção de persuadir pessoas, devemos ter em conta ter em conta as relações de poder que se estabelecem a partir disso, bem como as discursividades que as constroem. Em se tratando das crianças, por ainda não terem autonomia sobre suas ideias, pensamentos e julgamento e serem influenciadas por discursos simples, temos que estar atentos e socialmente criarmos parâmetros para que a relação assimétrica entre elas e os adultos não interfira em suas subjetividades, quando, por exemplo, criamos uma necessidade de consumo a qual muitas delas não poderão suprir.

Essa atenção é uma responsabilidade do mundo adulto, uma vez que as consequências da publicidade para uma criança tanto influenciam nas suas experiências pessoais, como no sentimento de felicidade, quanto em toda conjuntura social, haja vista o aumento do consumo excessivo de muitos produtos e serviços impacta na saúde pública e no bem-estar social. Se pensarmos nos reflexos da publicidade que se alinha a uma de nossas pulsões de vida, a fome, nos Estados Unidos e no Brasil, o número de crianças obesas hoje é alarmante e representa uma série de problemas, como o aumento de doenças cardiovasculares, baixa auto-estima, custos com medicamentos, etc.

Inspirados na personagem Mafalda, devemos problematizar as questões do nosso cotidiano, como dissemos a persuasão sempre esteve presente na história e a publicidade infantil está muito presente nos dias de hoje, inclusive porque muitos meninos e meninas têm recebem infinitas informações através dos brinquedos, mídias, celulares, games, etc. No Brasil, além de refletirmos através da arte que atinge em geral diversos públicos, podemos propor e reivindicar projetos de leis de base educativa construídos à luz dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e preocupados com as especificidades da infância, conscientes de que os adultos são responsáveis por esses menores. 

sexta-feira, janeiro 02, 2015

Resposta à crise financeira e aos óculos escuros

* Texto originalmente encaminhado ao jornal O Liberal para seção de opinião

Na década 50, em que nos destacávamos como pólo têxtil da America Latina, nosso município apontava para sua vocação industrial. Na mesma época o país cujos emigrantes nos conferiram o nome, transformava sua sociedade e economia. Os Estados Unidos à época diversificava sua mão de obra e investia no comércio, nas finanças, nos transportes, etc. O setor terciário responde hoje por aproximadamente 77% do PIB e 79% dos empregos.

Não que eu seja entusiasta do modelo capitalista americano, tão pouco suponho que o histórico político e social não infiram nas ações econômicas, mas há algo que me toca ao pensar em mudança social, que é a diversidade, em todas as dimensões. Não apenas o multiculturalismo traz respostas às mazelas sociais, como também a diversificação da economia pode significar novas perspectivas de futuro e frentes de ações, públicas e privadas para a transformação da realidade.

Antes da eleição de 2012, na qual infelizmente elegemos Diego De Nadai, eu tentei contato com os candidatos para apresentar um plano estratégico de turismo para Americana, que fiz enquanto cidadão. Apenas um secretário de campanha do Omar Najar me atendeu, mas de qualquer forma não fez coro ao projeto. 

No ano passado entrei em contato com dois vereadores que foram receptivos à idéia, mas preferimos aguardar os desfechos políticos da atual crise. E nesse momento, assim como compartilhei com nossos parlamentares, gostaria de refletir sobre a proposta junto aos leitores do Liberal e às autoridades que lêem o artigo. 

Diante da atual crise financeira e política, nos cabe atenção, criatividade e participação. Pra mim, não será o mais do mesmo que nos salvará do caos instaurado, nem a indústria que há tempos não possui o potencial de antes, tão pouco as autoridades vendidas e cúmplices que decidiam os destinos do município sob “óculos escuros”. Não digo cabresto, pois não vejo a ignorância e muito menos a ingenuidade dos eqüinos nos legisladores que nesses últimos anos foram escudos e munição de Diego De Nadai. Refiro-me metaforicamente aos óculos escuros pela negligência e indiferença que tais representantes nos olharam enquanto cidadãos e para nossa cidade.

À luz de que do lixo podemos construir algo novo para Americana e de que o setor terciário tem sido a aposta dos países em desenvolvimento, modestamente acredito que a nova gestão deve orientar-se em três pilares: aproveitamento do legado deixado, diversificação da economia e gestão participativa. Em se tratando do legado, falo dos equipamentos que surgiram, mas não como fins em si mesmos; sobre a diversificação da economia acredito no potencial de turismo receptivo e social e quanto à gestão participativa, acredito numa política descentralizada de inserção cidadã, vislumbrando que a economia esteja voltada às comunidades e que estas, em parceria com o poder público, se desenvolvam por seus caminhos.