sábado, junho 10, 2023

27ª Parada do Orgulho LGBTI+ em São Paulo

As paradas LGBTI+ são um dos principais símbolos dos movimentos modernos pelos direitos civis de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexo e outras biografias plurais em diversidade afetivo-sexual e de gênero. Esse formato de marcha começa nos EUA um ano após a Revolta de Stonewall, quando pessoas transvestigênere[1], homossexuais e drag-queens se rebelaram contra o abuso e a violência policial em Nova Iorque em 1969.

Aqui no Brasil, desde a Colônia até o presente momento, as populações LGBTI+ sempre existiram e resistiram.  Os indígenas Tibiras e Çacoaimbeguiras entre os Tupinambás, homossexuais homens e mulheres respectivamente nas definições atuais; Xica Manicongo, primeira travesti que temos registro, que veio escravizada do Reino do Congo para viver em Salvador no século XVI, foi criminalizada por sodomia pelo Santo Ofício e rebatizada como Francisco; Yaya Mariquinhas que exigia ser tratada no feminino (gênero diferente do atribuído em seu nascimento) no Brasil Império, séc. XIX; até mais recentemente no século XX quando aparecem na cena púbica personalidades como Madame Satã, um transformista brasileiro, ícone da vida noturna e marginal da Lapa carioca e Rogéria que entrou no imaginário brasileiro apresentada como "a travesti da família brasileira".

Assim, na década de 1970, quando os Estados Unidos abrigavam as primeiras marchas – paradas - pela liberdade sexual e de gênero, influenciadas por outros movimentos modernos como o feminista, o negro e o de contracultura hippie, o Brasil vivia uma resistência frente à censura e ao controle social. No bojo da ditadura militar, a inauguração de casas noturnas como Medieval e Nostro Mundo em São Paulo; os grupos artísticos Dzi Croquetes e Secos e Molhados, que provocavam a ordem social por meio de trajes, performances e estilo de vida; a formação do coletivo de militância e ativismo “Grupo SOMOS” e a publicação de jornais de resistência como Lampião da Esquina e Chana com Chana marcam a cena LGBTI+.

Nas décadas seguintes, nos anos de 1980 e 1990, surgem os primeiros protestos no Brasil, como a passeata contra as operações do delegado Richetti e o protesto das lésbicas feministas no Ferro’s Bar em São Paulo. Nesse momento, os movimentos são provocados a responder à epidemia de HIV-AIDS, seja na formação de rede de apoio e solidariedade ou na desconstrução dos estigmas que estavam sendo difundidos no senso comum, pela mídia, instituições religiosas e até mesmo a ciência. Um conjunto de coletivos são instituídos nessa época.

Foi nesse contexto que as paradas surgem no Brasil, primeiro em Curitiba e Rio de Janeiro e um ano depois em São Paulo, 1996 o marco zero na Praça Roosevelt. O primeiro evento na Avenida Paulista foi em 1997, marchas essas organizadas por ativistas, coletivos e profissionais de várias áreas que se reuniam em congressos para estudo e promoção da saúde em resposta ao HIV-AIDS.

Em São Paulo, desde a primeira parada LGBTI+ até hoje, em sua 27ª edição, muita coisa mudou, não só o evento, mas a sociedade também. Certamente, uma das principais contribuições das paradas é a visibilidade massiva, é o que ela possibilita além das palavras de ordem, pois elas viabilizam novos sentidos e significados coletivos, possibilitam no espaço público a manifestação de sexualidades e gêneros plurais perseguidos e vigiados. Transpõem a geografia da marginalidade e do gueto. Elas colocam em discurso não apenas o evento, mas biografias, existências possíveis. Não à toa, avançamos em direitos civis, mesmo diante de muita aversão conservadora. Decisões judiciais pelo direito parental de pessoas LGBTI+, a conversão de união estável para casamento, a despatologização da transexualidade, a criminalização da LGBTfobia, a institucionalização das pautas por organizações e as políticas públicas de acesso à direitos sociais, a exemplo, o Programa Transcidadania.

Muitas vezes tentam descredibilizar as paradas como “carnaval fora de época”, contudo, assim como no carnaval, a subversão da ordem moralizadora, da violência e opressão se dá pelo exercício da liberdade, do lazer e da ocupação dos espaços públicos. E isso não faz das paradas menos política. Elas celebram biografias plurais, o orgulho em existir e, assim, contribuem com subjetividades de afirmação, reconhecimento e respeito, quando ainda tentam violentar essa população de diferentes formas. Como diz Caetano, "Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas; negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval". 

Nesse ano, na 27ª edição da manifestação, o tema são as políticas públicas como instrumentos de garantia de direitos sociais, seja a educação, o trabalho, a saúde, a assistência social, dentre outros, visto que as políticas públicas institucionalizam e positivam direitos. Embora tenhamos avançado em conquistas, dentro e fora do Estado e poderes instituídos, ainda existe muita resistência e uma ascensão conservadora que tenta aniquilar existências LGBTQI+ como estratégias discursivas pelo poder e contágio das massas. 

Políticas Sociais para LGBTI+, queremos por inteiro e não pela metade! Acesse o manifesto aqui.


Fábio Ortolano. Pesquisou as paradas LGBTI+ de São Paulo e Campinas entre os anos de 2008-2015. É docente nas áreas de Desenvolvimento Social, Turismo & Hospitalidade. Multiplicador das formações de Diversidade como Valor e Cultura de Paz no SENAC São Paulo. Professor convidado no curso de Gestão da Diversidade da COGEAE - PUC São Paulo. Doutor em Psicologia Social, Bacharel em Turismo e Educador Social.  



[1] Transvestigênere é um neologismo cunhado pela ativista Indianare Siqueira e difundido pela parlamentar Erika Hilton e pela atriz Wallie Ruy, que une o significado das palavras travesti, transsexual e transgênero.