Fotos: Moacyr Lopes Junior e Marlene Bergamo / Folhapress
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Não são
apenas os lixos incinerados nas ruas, os ônibus quebrados, os muros pichados, os
gritos coletivos, as balas de borracha e as bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo
que farão parte dessa história que todos temos guardado e registrado desde as
redes sociais e mídias ao nosso inconsciente social e individual. Há muito mais
em processo no plano do simbólico e do subjetivo nessa ação coletiva ocorrida
em São Paulo e outras cidades no último dia 13 de junho de 2013.
Marcuse, um
dos pensadores referência das revoltas de 1968, em sua interpretação de Freud, diz
que vivemos na complexa e intrínseca relação entre pulsão de vida e morte, no
choque entre Eros e Civilização. E para Freud a origem prímeva é o complexo de
Édipo. O pai severo impõe os primeiros valores societais. Revoltados, munidos
pelos instintos agressivos, o matamos, mas o amor nos gera o remorso para harmonizarmos
as relações. Essa é a origem da culpa, que nos orienta a não vivermos no caos
diante dos limites em sociedade. O pai projeta-se e transforma-se em
instituições, nas religiões, nas relações, no Estado. Não há como amá-lo sem
que antes desejemos sua morte.
Não é que
as pessoas nas ruas não queriam mais o Estado, os limites, as regras e as
instituições. Talvez alguns até digam isso e chutem lixeiras, ateiem fogo em
espaços públicos e quebrem vidros, mas isso diz além do ato em si. Eros é a
libertação momentânea da ordem e do limite, é um gozo pontual que responde a
constante normatização da vida. Tudo é parte de um processo. Constituímos-nos e
constituímos nossas práticas dessa forma, entre ordem e desordem.
Nesse
sentido, objetivamente, pudemos ver como há amor em SP, mesmo quando a cidade
anuncia toque de recolhida e vê-se sitiada num estado caótico. É a pulsão de
vida, o amor e os sonhos que fazem com que as pessoas se mantenham nas ruas
mesmo com tantas bombas ensurdecedoras alusivas à morte. É Eros em confronto
com o medo, a indiferença e a apatia social.
E nesse
complexo desenrolar cotidiano, as instituições sociais mostram que estão aí e
fazendo uso de suas forças. Eis que vemos a extensão do falo. O pai castrador
sempre será uma constante em nossas vidas. O público é um campo em disputa e o
Estado apresenta suas armas: helicópteros, tropa de choque, fuzis, bombas de
efeito moral e de gás lacrimogêneo, carros, motos e caminhões equipados em que
descem dezenas de homens, todos fardados, ordenados, fortes e bem treinados. Seguem
em frota, performaticamente, contornando ruas, cruzando carros, atropelando
pessoas, ostentando o poderil de quem se coloca como a ordem. Vãs tentativas de
controlar o que não tem controle, pois a pulsão de vida preexiste à ordem, ao
conflito e a morte.
Assim, as
ações policiais orquestradas por um governo que se vale de uma força arbitrária
de ordenação das insatisfações conforme os interesses das elites só podem
falhar. A opressão e violência trazem sentidos a todos aqueles presentes ou não
nas ruas. Os sons, as imagens, os cheiros, tudo passa a compreender o olhar do
sujeito para o outro. Daí, podemos vislumbrar a consciência política a partir
do reconhecimento, significação e materialização dos antagonistas.
Não podemos
ser levianos e incoerentes ao pensar que as pessoas estão nas ruas apenas pelo
aumento da tarifa do transporte público. Se nem mesmo os conflitos de fórum
íntimo, individuais, dizem respeito a uma única queixa, como poderíamos supor
que tantos sujeitos postos em marcha reivindicam a mesma coisa?
Os
movimentos sociais dizem de um projeto de futuro quando o presente não responde
aos anseios e necessidades do coletivo ou da pessoa humana. Tais movimentos e
suas práticas exemplificam a microfísica do poder que Foucault nos fala. O
poder está em todos os sujeitos, relações e espaços. Da mesma forma que o
Estado exerce sua força sobre os manifestantes, estes também abalam quem os
oprime. O cenário desdobra-se em múltiplas cenas e dentre os diversos atores,
todos parte de um mesmo enredo, cada um conta a história e age sobre ela de uma
forma, não sendo possível responder a todas elas. Então, mesmo quem se pretende
forte vê sua fragilidade no mundo. E os
movimentos, como o nome já sugere, não são estáticos e não se limitam às manifestações.
O eco e a produção discursiva que se gera empoderam pessoas e transformam a
realidade, mudam os sujeitos e toda conjuntura social.
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