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Bem disse Roberto Machado na
introdução de Microfísica do Poder de que na perspectiva foucaultiana não
existem os que de um lado têm o poder e que do outro aqueles que são desprovidos
dele. O poder se dá em todas as práticas e relações. Acrescenta adiante que “(...)
qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder”.
Diferentemente da edição anterior, no
quinto grande ato na cidade de São Paulo, não houve grandes confrontos entre
sociedade civil, movimentos sociais e Estado. Por conta da repercussão negativa
da ação truculenta da Polícia Militar e da tropa de choque na última quinta, já
antes do último evento, foi anunciado que não haveria ação programada de
contenção da manifestação, e que, portanto, as ruas, incluindo a Paulista,
estariam livres para as reivindicações.
Enganam-se aqueles que julgam ser, assim, um ato livre. Nada mais óbvio que o Estado recue, não por ter se dado como posto à prova, mas por também ser perspicaz, tão como os movimentos. Diante do incontrolável, também resiste-se no controle do possível. Arnaldo Jabor reconsiderou, não é mesmo? Nada de conclusões maniqueístas, é assim, simples parte desse dispositivo de poder que Foucault nos fala.
Enganam-se aqueles que julgam ser, assim, um ato livre. Nada mais óbvio que o Estado recue, não por ter se dado como posto à prova, mas por também ser perspicaz, tão como os movimentos. Diante do incontrolável, também resiste-se no controle do possível. Arnaldo Jabor reconsiderou, não é mesmo? Nada de conclusões maniqueístas, é assim, simples parte desse dispositivo de poder que Foucault nos fala.
E nesse novo cenário pontuo algumas
percepções, obviamente pouco deflagradoras da realidade, mas sem dúvida, parte
dela. Penso numa contribuição nesse processo de retomada das ruas, do público, do coletivo. Também tenho me arrepiado com dimensão de tudo e espero que possamos dar novos passos.
Se pensarmos em alguns autores que tratam
dos movimentos e conflitos sociais, como Hadley Cantril (1941), Pedro Cadarso
(2001), Charles Tilly e Lesley Wood (2010), notamos que, em linhas gerais,
todos tratam de pontos como estratégia, eficácia, campanha e motivações
individuais. E certamente precisamos estar atentos a isso nas análises e inferências
sobre os conflitos de hoje, sem obviamente, normatizar os movimentos.
Se nessa noite não vimos a ação
direta do Estado sobre nossos corpos, com as bombas e balas de borracha, fomos
nós mesmos que nos vigiamos a todo momento. Concentramos-nos e caminhamos
ordenadamente no Largo da Batata, na Faria Lima, na Paulista, na ponte estaiada,
etc, com gritos e palavras de ordem em repúdio, dentre outras coisas, à participação de partidos políticos, à cobertura da grande mídia e, sobretudo, ao “vandalismo”.
Ora, o que é esse "vandalismo" que temos concebido? Pintar e
registrar uma indignação sobre uma matéria morta é o descumprimento de que
ética e moral? Ao banalizarmos qualquer prática de afronta à norma como
vandalismo me parece que alinhamo-nos a um discurso hegemônico de controle. Supondo
que algumas práticas podem deslegitimar os movimentos por uma mídia
deturpadora, agimos contidos e esquecemos que a força da comunicação pode
crescer do mesmo lugar que os movimentos atuais nasceram, das redes sociais.
Não parece tarefa fácil responder à
tão complexa crítica, contudo, arrisco que precisamos crer na autolegislação da
vontade livre. PASSE_AGE_AUTOLGISLA-SE LIVRE. Para Lunardi (2011) na perspectiva kantiana a ação moral do
sujeito advém de sua autonomia em impor restrições morais a si mesmo. Liberdade
em Kant fundamenta-se na autogestão da vontade livre. Todos nós somos munidos
de vontades e desejos, de Eros, estes são livres. Em civilização, em respeito
ao livre desejo e vontade do outro, esbarramos nos limites, assim demanda-se nossa
autolegislação. Talvez o possível para ações coletivas seja pensar em
concessões agressivas em respostas à opressão apenas cujas conseqüências também
sejam coletivas e não arbitrárias.
Referências - sugestões de leitura:
CADARSO,
Pedro Luis Lorenzo. Fundamentos teóricos del conflito social. Madrid:
Editores, S.A., 2001. ISBN: 84-323-1072-7
CANTRIL,
Hadley. Psicologia de los movimientos sociales. (1ª Ed. 1941). Madrid: Euramérica, S.A., 1969.
FOUCAULT,
Michael. Microfísica do Poder.
Organização e tradução: Roberto Machado – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
LUNARDI, Giovani Mendonça. A fundamentação moral dos direitos humanos.
Rev. katálysis [online]. 2011, vol.14, n.2, pp. 201-209. ISSN 1414-4980
MARCUSE,
Herbert. Eros e Civilização – Uma interpretação
filosófica dos pensamentos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
TILLY, Charles e WOOD, Lesley J. Los
Movimientos Sociales, 1768-2008. Desde sus orígenes a Facebook. 2ª Ed.
Editora Crítica: Barcelona, 2010.
Um comentário:
Texto lúcido, forte e incrível. Parabéns.
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