Americana-SP e o
neoliberalismo
Há algum
tempo venho ensaiando escrever sobre a aceleração no processo de imersão de
Americana-SP no neoliberalismo. Não que isto seja uma novidade para o
município, afinal desde seu processo de ascensão na década de 50, quando se
destacou como pólo têxtil na América Latina e cidade de maior desenvolvimento
no país, já delineava em sua história uma aproximação ao sistema capitalista. Na
ocasião em que vivíamos o auge da industrialização, tínhamos como prefeito
Antonio Pinto Duarte, de família tradicional no município e que muito se beneficiou
do acúmulo de capital. Na mesma década iniciou-se a construção da Matriz Santo
Antônio de Pádua, cujas paredes foram pintadas pelos irmãos italianos Pedro e
Uldorico Gentilli, sendo hoje a maior igreja em estilo neoclássico do país.
Detalhe: é preciso pontuar a origem européia. Assim, já elucidamos como os
valores tradição, família e propriedade vão se enraizando em nossa cultura
local.
Por sorte
ou conseqüência da redemocratização do país, durante gestões passadas, sobretudo
sob o governo de um ex-preso político da ditadura militar, Waldemar Tebaldi
(PT, PDT e PMDB), as políticas sociais frearam ou, de certa maneira, amorteceram os impactos
da transformação das coisas em mercadoria. O tripé saúde-educação-habitação que
norteava as principais políticas públicas da época dizia de um Estado, ainda
que com problemas, presente. Entretanto, no desenrolar do processo histórico, mudou-se
os governos e também as perspectivas do planejamento urbano. Já na gestão de
Erich Hetzl Júnior (PDT), sucessor póstumo de Tebaldi, mudou-se os rumos de
Americana. Eu mesmo, enquanto estagiário de ensino médio, acompanhei o
sucateamento de dois projetos sociais que trabalhava, “Orientação e Vivência” e
“Adolescentes”, da secretaria de promoção social. De um ano para outro, de 17
bairros contemplados com os projetos, apenas 05 continuaram a desenvolver as
atividades e atender as crianças e adolescentes que estavam filiadas ao
programa federal de erradicação do trabalho infantil – PETI.
Se o Estado
já anunciava sua retirada neste último cenário, é nas gestões de Diego De Nadai
(PSDB) que ele oficializa sua ausência, seja pelas parcerias público-privadas
no trato da saúde pública e transferência de suas responsabilidades ou na venda
dos espaços públicos e da cidade como um todo na publicidade performática – que
oferece o espaço como mercadoria de investimento. Adentramos, nos últimos anos,
num dos caminhos mais perverso e traiçoeiro do capitalismo, em que significamos tudo como mercadoria, orientados por uma lógica
competitiva de mercado.
Atenção! Isso
não significa que não transformemos a realidade, nem que ela seja em sua
totalidade má. Contudo, é preciso notar a distinção entre a mudança social e a
mobilidade social. Enquanto a primeira orienta-se pela transformação coletiva e
alteração da percepção e do contexto comum, a segunda prima pela ascensão
pessoal, do individuo pelo individuo. Daí, ainda que tenha reflexos sobre o
coletivo, sua perspectiva atente o ideal burguês, capitalista e egocêntrico,
responde a um projeto de vida e destino sócio-individual, ou seja,
individualista.
As comemorações de sete de setembro,
Marco Feliciano e a elite americanense: A ordem e o valor neoliberal
Três fatos
ocorridos neste último sábado (7) em Americana-SP ilustram como todos
eles estão interligados, concatenados por uma ideologia que atravessa nossa
experiência cotidiana. As comemorações da independência nacional e os protestos
daqueles que contestam a história oficial e a ordem vigente, a vinda do
deputado federal Marco Feliciano (PSC) para o 20º Congresso da UMADAME (União da Mocidade da Assembléia
de Deus de Americana) na igreja evangélica Assembléia de Deus - Ministério
de Belém e o lazer de jovens burgueses num barzinho desses com mesas na
calçada.
Os
registros das comemorações de 07 de setembro desse ano trazem algo histórico no
país: Não foram as imagens alegóricas alusivas à ordem, daqueles que desfilam,
muitas vezes alienados à realidade nacional e local, ostentando um valor social
forjado pela suposta independência, que tomou conta da produção discursiva a
respeito, inclusive na mídia internacional. Foi sua negação, sua parte
antagônica, o protesto desalinhado ao hegemonicamente ordenado e daqueles que
não compactuam com esse consenso imaginário de uma realidade justa e
glorificada.
Comemoramos
a independência nacional e mal concebemos a liberdade em nosso cotidiano. Estes
protestos falam disso. Não somos mais a colônia lusitana da America. O nosso
colono agora é o Mercado, que dita tudo como mercadoria. Nesse processo,
desconstruímos o Outro e o público, pois consideramos sua importância apenas
como mercadorias. Adquirirmos namorados(as), amigos(as), parceiros(as),
sócios(as), grifes universitárias, parques e praças higienizados, etc. Pouco
nos interessam aqueles e aquilo que não compreende o nosso círculo e cenário de
sociabilidade.
Não nos
interessam porque não fazem parte desse projeto de vida e destino
sócio-individual. A ausência do Estado e o controle do mercado acirram a
competição como forma de existir e viver no mundo. Para as elites pouco importa
se a educação, a saúde e o lazer não são mais responsabilidades do Estado, afinal,
quando se paga, de um jeito ou de outro, se têm o esperado dentro de um sistema
capitalista – e o esperado também é uma construção social que se transforma nos
processos históricos. Atualmente, consumimos desenfreadamente e irracionalmente
numa inércia que nos atropela e nos deixa apáticos à critica social e de nós
mesmos.
Em
Americana multiplicam-se os grandes supermercados em todos os bairros; pipocam
as vendas dos planos de saúde, eleva-se o número de carros alusivos aos tanques
de guerra – potência necessária para proteção da família num cenário de guerrilha
urbana -, de salões de beleza e clínicas de estética; aumenta a especulação
imobiliária de uma cidade dormitório – E pasmem! Ainda vendemos os espaços
públicos. É o projeto de vida e destino sócio-individual que reforça aquele velho
valor: tradição, família e propriedade.
E o que sobra aos sem nome, sem o modelo de “família Doriana” e sem propriedade? O desejo de consumir todas essas coisas, óbvio. Não à toa, esse valor socialmente construído atravessa a cultura, as religiões e o Estado. Todos nós somos co-produtores dessa realidade e desse valor socialmente estabelecido e instituído como meta de alcance pessoal. Desde os pagantes dos planos de saúde e dos boletos de escolas privadas aos marginalizados que demandam as políticas sociais.
E o que sobra aos sem nome, sem o modelo de “família Doriana” e sem propriedade? O desejo de consumir todas essas coisas, óbvio. Não à toa, esse valor socialmente construído atravessa a cultura, as religiões e o Estado. Todos nós somos co-produtores dessa realidade e desse valor socialmente estabelecido e instituído como meta de alcance pessoal. Desde os pagantes dos planos de saúde e dos boletos de escolas privadas aos marginalizados que demandam as políticas sociais.
Nessa perspectiva, sobrevivem os mais aptos, ou seja, aqueles que consomem.
Consumimos lugares, educação, pessoas, saúde e bem-estar e até crenças. Não que
a fé não tenha seu mérito e relevância – que isso fique bem claro – mas as
crenças muitas vezes nos respondem ou confortam diante da nossa incapacidade de
olhar o Outro, da nossa irresponsabilidade sobre si e o mundo. Projetamos tudo
como vontade divina, de forma que justifiquemos nossa exclusão e marginalidade,
sejam compulsórias ou voluntárias.
Não por acaso, concomitantemente a
ascensão neoliberal, eleva-se o número de igrejas neopentecostais.
Com o Estado ausente e os sujeitos despontencializados para participação política e para intervenção na realidade, as igrejas aparecem como
soluções ao caos. Estas representam bem o mercado, pois tratam dos fiéis como consumidores passivos, apenas como sujeitos contemplados com seus
produtos/serviços. Deturpa-se, assim, o manejo das demandas sociais, antes sob controle do
Estado/cidadãos e nesse contexto aos cuidados das igrejas/mercado.
Entendamos, a partir de um exemplo local: Na última sessão ordinária do
legislativo americanense, o vereador Thiago Brochi (PSDB) e o presidente da
Câmara Paulo S. V.
Neves –
Paulo Chocolate - (PSC), no momento em que discutiam a concessão de locais
públicos a igrejas evangélicas, falaram da importância do trabalho de tais
instituições ao bem social. Ora, demanda social não é caridade de instituições
religiosas, é obrigação do Estado! Contudo, as opiniões de tais legisladores
não são de se estranhar, apesar de serem absurdas. Incoerentemente, eles não
falam do trabalho do Estado, como deveriam, o projetam a outrem, no caso às
igrejas, desvirtuando como deve ser o atendimento das demandas sociais, não mais
como obrigação do Estado, em que a população é co-responsável, mas como
caridade e benfeitoria de sujeitos e entidades benevolentes. Nesse cenário, o
cidadão passivo é consumidor e beneficiário do que almeja. A tutela religiosa
é compreensível, pois desempodera os sujeitos sobre sua realidade e desconstrói
sua consciência política de participação, empoderando, em contrapartida, os
líderes e o mercado.
Ao mesmo tempo em que o coro dizia amém, alguns cidadãos estavam na delegacia por conta da prisão de
militantes do protesto de 07 de setembro. Militantes estes que muito têm a
ensinar sobre democracia, pois na mesma sessão em que os vereadores acima
mencionados discutiam projetos de lei enviados a toque de caixa pelo executivo,
os mesmos militantes refletiam sobre as conseqüências e implicações de tais projetos
a população. De um lado, o "Pulta Catraca" e outros coletivos têm mostrado que democracia não se faz pelo consenso e sim por um dissenso em que as múltiplas perspectivas são respeitadas, sem oportunismos políticos. Do outro, curiosamente, os mesmos políticos que criminalizam os
movimentos sociais, são aqueles que encaminham seus capangas para sufocar
qualquer reivindicação popular que não seja a do seu interesse, que participam
de cultos e missas aos domingos e que defendem a família e os bons costumes.
E enquanto uns protestavam e alguns faziam uso da força e ordem arbitrária, outros consumiam naqueles bares com mesas na calçada. Estes quase todos com o mesmo perfil fenotípico produzido - modelos de uma juventude
burguesa de Americana – tradicional, elitista e classista. E ali se viam
aqueles rostinhos que saem na coluna social do Wagner Sanches e os carros de
guerra estacionados, alguns com aqueles adesivos da família ou com inscrições
religiosas.