Não tenho pra mim uma resposta clara, mas sinto que, de fato, estamos se
não em um novo - o que Sérgio Carrara nos fala - mas num regime da sexualidade
expandido daquele que Foucault nos apresenta em “A história da sexualidade I: A
vontade de saber”.
Não são apenas nos consultórios médicos, nem nos prostíbulos, tão pouco nos
confessionários, que o puritanismo burguês têm posto as sexualidades
ilegítimas. Hoje outros saberes e códigos compõem esse regime, no controle dos
corpos e populações. As imagens e discursos de uma sociedade do espetáculo têm
criado novas representações e patologias. Entramos numa nova ou modificada
economia discursiva sobre o sexo e a sexualidade, em que as pessoas publicam
imagens de seus corpos, constroem identidades atomizadas a partir das redes
sociais, criam páginas para análise dos perfis, leia-se dos corpos, de sujeitos
que participam dos aplicativos de relacionamento/sexo, questionam o abuso
sexual sem sequer conceber o que é o abuso, falam da pedofilia e do abusador
como novos focos de transtorno mental ou desvio à norma.
Laqueur estava certo, a política, compreendida como disputa de poder, cria
novas formas de construir o sujeito e as realidades sociais. “O sexo é
situacional, explicável apenas dentro do contexto de luta sobre gênero e
poder”.
A sexualidade já não se encontra apenas confiscada pela família conjugal, ainda
que esta ainda seja altamente reivindicada, haja vista as falas e pautas de
campanhas fundamentalistas proferidas e multiplicadas por alguns legisladores e
seus seguidores, mas também nas imagens e discursos que operam novos modelos de
experiência da sexualidade no cotidiano.
Até que ponto as críticas direcionadas ao comercial do governo do estado de São
Paulo sobre o transporte metropolitano, em que falavam do "xaveco"
nas linhas de trem e metrô, não estão carregadas de uma forjada moralidade? Se
“xavecar” é significado como intenção de assédio sem consentimento, o que
fazemos nas casas noturnas, nos bares e nos espaços de sociabilidade em geral?
Posto isso, alinhado a Laqueur, penso que não haveria a possibilidade em falar
de sexualidade, sexo e gênero, sem tratar de um projeto político que compreende
tais constructos sociais de um regime em expansão. Parece-me que nessa
sociedade do espetáculo, parte do capitalismo, em que as relações são mediadas
pelas trocas e pelas imagens, estas últimas representam a mercadoria que
comercializamos na vivência de nossa sexualidade.
E como nos coloca
Debord, “o mentiroso enganou a si mesmo”. Em nossa realidade atomizada,
perdemos a noção da totalidade e criamos novas formas de controle e subjugação,
marginalização e patologização dos sujeitos. E os discursos de autoridade, da
medicina, do direito, da pastoral cristã e de novos saberes que se pretendem
como hegemônicos, ainda são partes desse regime. Agora, multiplicados pelas
imagens e redes sociais.