quinta-feira, outubro 28, 2010

Incomodo

José está cansado. 40 anos de idade, estudou até o ensino médio e acorda todos os dias para trabalhar num condomínio onde faz a segurança. Aos finais de semana faz uns bicos em frente uma casa noturna para complementar sua renda. Para cada carro estacionado na rua XV de novembro ele ganha o suficiente para compra sua refeição diária. Ele poderia viver disso se não fosse obrigado ceder uma porcentagem ao estabelecimento. Todo final de semana, por conta de sua função, encontra seus compatriotas, escravos de luxo de um sistema que os obriga a trabalhar, sem suar, e a pagar por um espaço que é público. Pagam por estacionar o carro em via pública, e mais, pelo conforto da garantia criada. Pois tão fictícia quanto o perigo, revela-se a segurança.  Não é possível questionar.

Joceli está cansada. Estudante universitária de 23 anos cursa administração e trabalha na rodoviária da cidade onde reside. Em todos os dias da semana, exceto aos domingos, entra às 08h e sai às 18h. Ela é responsável por dar informações, atender e responder pelas dúvidas dos usuários do espaço, que embora público, cobra uma taxa de embarque por passageiro equivalente ou superior ao valor de dez pãezinhos. Certamente os usuários deveriam saber dos benefícios atrelados ao considerável montante pago à concessionária da maior cidade interiorana de São Paulo, já que nem para suas necessidades básicas podem usar o espaço sem desembolsar mais dinheiro. Perguntemos à Joceli. Ela não sabe! Ela, que está para informar, não sabe! Não é possível questionar.

João está cansado. Tem 22 anos, é estudante universitário, não trabalha e depende do auxilio dos pais. Acredita que as campanhas eleitorais estão muito além de piadas fora do espaço circense e que revelam a ignorância de um povo. Mostram também o descaso e falta de compromisso com a ética dos representantes e candidatos a lideranças públicas, a afronta aos ideais pessoais e também o desrespeito a diversidade de opiniões e experiências de vida humana. Ele não está satisfeito com o sistema em que vive, mas corrobora para sua existência. Não acredita no opressor, mas faz uso do discurso dele. Não é possível questionar.
Bom seria se todos estivessem incomodados e que, assim, usassem desse incomodo como ferramenta de motivação para sua militância, sem dimensões de valores ou relevância. O José, a Joceli e o João precisam questionar.

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