Dentre tantas falas
irresponsáveis, revoltantes, incoerentes, rasas e levianas, gostaria de
responder algumas, uma vez que o pastor clama por verdades que ele próprio
alega serem de Deus.
Antes de qualquer
coisa vamos à conjuntura e uma reflexão rápida para posicionarmos as respostas.
Vivemos num país que desde a colonização fora catequizado pelo cristianismo. O
cenário das correntes religiosas vem mudando, como aponta o IBGE, contudo,
compomos uma nação esmagadoramente cristã, em que a bíblia mais que documento
sagrado, representa para muitos a verdade absoluta sobre a história, sobre a
vida, sobre o mundo, sobre nós mesmos.
Paralelamente a isso
somos um país que cronicamente se esquiva em dar valor à educação e aos demais
Direitos Humanos. Mais que dados acadêmicos, a realidade cotidiana nos mostra:
assistimos ao sucateamento dos serviços básicos de atendimento à população.
Inseridos num sistema capitalista em que o mercado dita sobre as ações do
Estado, não tem mais importância se o serviço público não funciona. Os planos
de saúde estão aí e as escolas particulares são ótimas opções para o
vestibular. Pouco importa se tudo isso é vazio.
Não digo que a
religiosidade associa-se à falta de educação, muito menos à ignorância.
Contudo, ela oferece e representa uma possibilidade de leitura do mundo e de
todas as coisas. Se não temos acesso à informação, outras culturas e outras
perspectivas, como podemos deixar de reforçar o que está posto hegemonicamente?
Infelizmente, diante
disso, os dogmas e os princípios das diversas religiões são instituídos como
verdades para todos. É complexo, pois muitos que nelas acreditam, transformam e
significam vários de seus sentimentos a partir delas, como a esperança, o
otimismo, a fé, e acabam fazendo delas a única forma de compreender a
realidade.
Não se trata de
discordar de uma passagem bíblica, da defesa de um principio, de um pastor que
defende o que acredita. É mais que isso! Responder às falas rasas de Silas
malafaia é contestar a sobreposição e sobrevalorização de ideais e crenças, é
protestar contra a opressão religiosa e o oportunismo frente à fé ingênua de
tantos fiéis, é um grito contra a prepotência de pessoas que se julgam
detentoras do saber sobre todas as coisas. Vamos ao ponto.
Primeiramente,
Malafaia é incoerente, uma vez que defende uma perspectiva criacionista e para
explicar a sexualidade busca sustentar seu discurso na biologia.
A biologia, por
exemplo, tem se dedicado a buscar anomalias endocrinológicas, neurológicas e
genéticas, entretanto, nenhuma pesquisa até hoje conseguiu comprovar e explicar
a homossexualidade de maneira a se esgotarem os questionamentos. Até porque nem mesmo a biologia é objetiva como a
matemática e a física. Se pensarmos na sexualidade humana, ela é totalmente
atravessada pelo social, vejamos como concebemos a puberdade em diferentes
épocas.
Quanto à psicologia,
e aqui abro um parêntese para compartilhar um incomodo que julgo ser próprio de
muitos psicólogos e estudiosos da psicologia ao ver o dito pastor se pronunciar
em nome de tal campo do conhecimento, são tantas perspectivas dentro da própria
psicologia, que não há como falar em consenso. Freud, precursor da psicanálise,
em seus ensaios sobre a sexualidade, fala da pulsão e dos objetos sexuais.
Trata da homossexualidade como inversão e não está de acordo com uma postura
curativa. Acrescenta ainda que a leitura sobre a inversão advém do que o
contexto permite. Já outra hipótese, dentro da linha comportamental, defende
que a homossexualidade associa-se às experiências primevas, positivas e negativas,
reforçadas em atos masturbatórios.
A medicina por muitos
anos fez uso de manuais que conceituavam desvios sexuais, caracterizando
perversões morais em patologias. Contudo, avançados os estudos, a medicina não
considera mais homossexualidade como uma doença mental.
Thomas Laqueur, em Inventando
o Sexo - Corpo e gênero dos gregos à Freud, relata como o sexo,
sexualidade e gênero foi sendo concebido desde a era clássica até o modernismo
científico. Por milhares de anos, por exemplo, acreditou-se que as mulheres
tinham a mesma genitália que os homens, invertida, para dentro. Logo a
compreensão desses três elementos (sexo, sexualidade e gênero) associava-se a
um único modelo. Por volta de 1800 escritores começaram a atribuir as
diferenças fundamentais entre homens e mulheres e aos finais do século XVIII o
antigo modelo metafísico de compreensão do homem e mulher deu lugar a um modelo
de dimorfismo radical, de divergência biológica. A visão dominante desde este
século era, portanto, de que havia dois sexos, fato que determinava a vida
política, econômica e social, bem como os papéis de gênero. Logo,
estabelecem-se dois modelos para a leitura dos três elementos acima citados.
Notemos que a própria
ciência muda conforme se avançam os estudos. Não há verdades que se estabelecem
em qualquer época e lugar. Desde os primeiros estudos sobre a sexualidade até
as pesquisas pós-modernas sobre o tema muito se criticou, analisou e refletiu.
E diante disso tudo não há como crer que um único livro possa dar respostas a
todos os anseios e dúvidas.
Além disso, a bíblia não pode ser a única referência para todas
as coisas. Afinal, será que poderíamos explicar o mundo somente através de
palavras? Será que o que significamos é igual para o outro? Independentemente
das respostas, cabe atentar também às interpretações, que sob qualquer fonte
podem ser enviesadas e deturpadas.
Vivemos hoje uma realidade triste para a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) no Brasil e no mundo. Suicídios de jovens, punição em algumas nações, assassinatos, etc. Aqui destacamos o alto índice de violência direcionada à outrem motivada pela homofobia.
Segundo o Grupo Gay da Bahia o
número de assassinatos de homossexuais aumentou 27% no Brasil neste ano que
passou. De acordo com o levantamento foram 338 assassinatos motivados por
homofobia em 2012. Isso quer dizer que quase todos os dias um homossexual é
morto em nosso país devido à intolerância e o ódio. Cabe mencionar ainda que muitos casos nem são
registrados. Além disso, há os casos de suicídio, estes nem expressos em
números.
Outro
levantamento é o da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH-PR), que em julho do ano passado mostrou alguns números referentes à
homofobia em 2011, ainda que consideremos a subnotificação: foram denunciadas
6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e
2.275 suspeitos. Os estados com maior incidência foram São Paulo (1.110), Minas
Gerais (563), Rio de Janeiro (518), Ceará (476) e Bahia (468). 67,5% das
vítimas se identificaram como sendo do sexo masculino; 26,4% do sexo feminino;
e 6,1% não informaram sexo. 47,1% tinham entre 15 e 29 anos. Com relação aos
principais tipos de violação, 42,5% dos casos registrados foram de violência
psicológica; 22,5% de discriminação; e 15,9% violência física. Quanto quem
pratica a violência, em 61,9% dos casos o agressor é próximo da vítima, em
38,2% são familiares, sendo que em 42% dos casos a violência se deu dentro de
casa; 5,5% das violações foram registradas em instituições governamentais –
sendo 3,9% em escolas e universidades, 0,9% em hospitais do SUS, e 0,7% em
presídios, delegacias e cadeias.
E são
inúmeras as fontes a serem consultadas. Relatórios, artigos acadêmicos, etc. É
só pesquisar. São Paulo, por exemplo, já possui até um mapa da homofobia,
mostrando os bairros mais perigosos e com maiores índices de denúncias de
violência homofóbica. Ou seja, os dados,
os números e as múltiplas referencias sobre a homofobia no Brasil já conferem o
quanto ela é real em nosso cotidiano, resta saber sua origem.
Queremos
saber se esta homofobia é construída a partir de um argumento e razão
fundamentalista. Se é o preconceito travestido de crença que justifica a
violência.
Fábio Ortolano
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3wx3fdnOEos#!