“Como (falar, ouvir, etc.) coisas que não existem”
Blasfêmia, palavras que ultrajam a divindade, seria o
qualitativo mais adequando para definir a 31ª Bienal de Artes da capital
paulista? Sim, Blasfêmia! Não pela afronta, mas porque é preciso contestar a
divindade. É preciso que nos questionemos como simbolicamente a cultura
atravessa os corpos, mentes, crenças, espaços e tudo aquilo que nomeamos e
significamos socialmente, inclusive, ironicamente, o lugar que empresta o nome ao evento.
A edição de 2014 do evento foi classificada
“blasfêmia” pelo Instituto Plínio Correa de Oliveira. Contudo, à revelia do
instituto cristão e outras entidades, representantes da ordem e das
instituições de poder, ainda que traga uma interpretação subjetiva, a crítica
da bienal de arte, travestida em símbolos gráficos, estéticos, sonoros e etc.,
foi proposital. Óbvio!
Nas diversas obras e exposições podemos ter uma aula
de como construímos a cultura e vários elementos que a constitui, como as
práticas sociais, a linguagem, as línguas e expressões, faladas e escritas,
tradições de organização social, codificadas em temas como violência,
sexualidade, religião, uso dos corpos e poder.
A 31ª Bienal de
Arte de São Paulo é contemporânea, como prevê sua proposta, e histórica por
tudo que resgata de nossas feridas do processo civilizatório, recalcadas a base
de um projeto de vida e poder que nos controla e nos faz perder do todo, limitados a um único
foco de atenção: nós mesmos. Esquecemos o tempo e a história, pois não suportamos lidar com o que mais nos toca, o outro.
Sendo assim, contestar a divindade é provocarmo-nos, é relativizar nossas certezas. Tarefa árdua à quem está acostumado e condicionado ao "amém" e "sim, senhor". Essa provocação é, talvez, uma das poucas formas que podemos romper com a arrogância e
prepotência de nos acharmos conhecedores de todas as coisas e realidades. É
deixar o cabresto e as rédeas, e, sobretudo, a tutela de nossas vidas. É o compromisso, a responsabilidade e maturidade em fazer frente ao mundo e o que ele tem a oferecer. Assim, blasfêmia é
possibilidade de mudança, uma vez que provoca, mexe e nos coloca em
cheque. E já afirmava Aristóteles na antiguidade: o pensamento nasce do espanto.
“O título da 31ª Bienal de São
Paulo – Como (…) coisas que não existem – é uma invocação poética do potencial
da arte e de sua capacidade de agir e intervir em locais e comunidades onde ela
se manifesta. O leque de possibilidades para essa ação e intervenção está
aberto – uma abertura que é a razão da constante alteração do primeiro dos dois
verbos no título, antecipando as ações que poderiam tornar presentes as coisas
que não existem. Começamos por falar sobre elas, para em seguida viver com
elas, e então usar, mas também lutar por e aprender com essas coisas, em uma
lista sem fim”. – 31ª Bienal de São Paulo