Anteontem ensaiávamos a
valsa de debutantes e logo amanhã já completaremos a maioridade. Hoje, aos 17
anos, novamente vamos às ruas para mostrar que ainda temos fôlego para dizer do
que nos cala e nos põem a dizer cotidianamente.
O Uruguai aprova o
casamento homoafetivo, a França torna-se o 14º país a reconhecer igualdade
plena entre casais heterossexuais e homossexuais, São Paulo oficializa o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e autoridades de Uganda discutem um
projeto de lei sobre a união homossexual. Marco Feliciano, deputado acusado de
racismo e homofobia, é pauta nacional e alvo de protestos em várias partes do
mundo por ser eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados. Daniela Mercury assume seu relacionamento com outra
mulher. Empresas nacionais associam suas marcas à igualdade mostrando-se a
favor do casamento igualitário. Um movimento pelas redes sociais surpreende
positivamente: grupos de grandes times de futebol dizem não a intolerância.
Se por um lado notamos
as mudanças, por outro, observamos as respostas reacionárias às transformações.
A frente conservadora, liderada por fundamentalistas religiosos, ascende nas
casas legislativas Brasil a fora. Parlamentares encaminham projetos de leis
contrariando-se a laicidade do Estado. Internautas, sem qualquer compromisso
ético, compartilham depoimentos preconceituosos, sexistas, machistas,
homofóbicos e fascistas. Apesar de uma pesquisa do
instituto Ifop apontar que 63% dos franceses apóiam o casamento
homossexual, centenas de pessoas foram às ruas em protesto contra uma lei que
garanta tal direito. Autoridades de Uganda, mesmo com a pressão internacional e
de seus próprios cidadãos pelos direitos de homossexuais, realizam discussões de
portas fechadas. No IV ato contra Feliciano, na capital paulista, um jovem
sozinho atira uma garrafa de coca-cola cheia contra centenas manifestantes que
estavam nas ruas.
O que leva tantas
pessoas saírem de suas casas contra uma lei que garanta o direito a outrem? O
que lhes interessa e afeta? De que coragem se vale um sujeito que,
individualmente, agride um coletivo? Como se confere o ímpeto em julgar-se mais
assertivo, justo e correto que todos os demais? Por que, ainda hoje,
discutem-se pautas de interesse comum à surdina? Será que o intervencionismo
religioso atroz não está preso a um período histórico, como a Idade Média?
Se prestarmos atenção no
cotidiano, o ataque e violência sobre sujeitos acontecem quando estes já estão
desqualificados socialmente. Foi assim que se estabeleceu e tem se mantido a
violência nas penitenciárias, a subalternidade dos negros, a agressão doméstica
de mulheres, a exclusão dos imigrantes e a violação de direitos de
homossexuais, sobretudo colocando-os nas selas, nos campos de concentração, nas
cozinhas, nas senzalas e nos guetos, no lugar do não-dito, do invisível, para
que sem história e memória não fossem e nem sejam dignos de respeito e
direitos. Falamos de sujeitos e minorias que, historicamente e moralmente, são
inferiorizados, silenciados e desprestigiados socialmente. Repetimos tais
retóricas, pois ainda que consideremos os avanços, não superamos as
desigualdades históricas.
Não podemos negar a
existência do abuso de poder e da punição arbitrária daqueles que já são
marginalizados pela pobreza. Não é possível que desconsideremos o alto índice
de agressão que mulheres são acometidas em suas casas por seus próprios
cônjuges. Não é sensato que continuemos a banalizar a dor daqueles que, próximos
ou distantes, sofrem por serem refugiados e imigrantes. Não dá mais para
fecharmos os olhos diante das falas racistas ao discutirmos cotas raciais. Não
podemos apagar os números da violência homofóbica no Brasil.
Tudo isso compreende um
discurso e história oficial compartilhados hegemonicamente e não podemos estar
apáticos ao que nos oprime. As realidades e verdades são múltiplas, próprias de
cada um, mas o registro e memória têm sido daqueles que têm o direito em
defender a sua voz.
Aquele rapaz que,
sozinho, agrediu um coletivo, trazia consigo todos esses discursos e histórico
de opressão que invisibilizam sujeitos. A ponto de entender-se superior e forte
o bastante para atacar. Ele não agiu sozinho e não foram apenas os
franceses que o encorajaram e legitimaram, mas Feliciano, Bolsonaro, Silas Malafaia,
etc.
Contudo, há de se
pontuar também as glórias. Marcos Feliciano nos uniu! Mulheres e homens; negros
e brancos; heterossexuais e homossexuais; brasileiros e estrangeiros; militantes, partidários e apartidários se somaram
nas ruas de capitais, das cidades interioranas, e até fora do país, para dizer
que “A nossa luta é todo dia, contra o racismo, o machismo e a homofobia”. Por
isso, não se trata apenas de sua permanência, mas de históricos de militância pelos
Direitos Humanos e pela promoção de minorias.
Assim, reforçamos o
Direito à Igualdade e o Direito de não sofrer privação arbitrária da liberdade.
Marchamos para reivindicar que o Estado brasileiro cumpra com os princípios de
Yogyakarta, conforme documento publicado, em 2006, pela ONU – Organização das
Nações Unidas. Pois, não admitimos mais o gueto e a
subalternidade. Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na
luta contra a homofobia.
Fábio Ortolano. Assistente de
comunicação da APOGLBT e mestrando em Mudança Social e Participação Política
pela USP. Pesquisa as concepções de Sexualidade e Direitos Humanos de
participantes das Paradas LGBT de São Paulo e Campinas.