segunda-feira, setembro 05, 2011

Que história é essa que me contam?

            Teria muito a nos dizer o decênio de dois fatos sobre as transformações sociais experenciadas pela humanidade ou ele nos diz tão pouco quando muito se fala de tais fatos? Bem, a resposta fica sob responsabilidade do leitor caso queira prosseguir nas reflexões.
            2011! Passaram-se dez anos, uma década! E ainda é possível, para alguns, sentir o cheiro do pó e fumaça e ouvir os gritos de desespero. Outros ainda escutam o inconfundível som do alumínio em atrito. Completa-se dez anos do atentado terrorista contra os Estados Unidos, bem como da crise econômica e social de nossos vizinhos portenhos, do panelaço argentino.
            De fato, os fatos não mentem. São provas vivas de vida e até de morte. É preciso enxergá-los além, como se o intransponível não existisse ao tratar das realidades. Pois sob um fato não há apenas uma realidade e sim um conjunto delas que se comunicam sem que precisemos erguer muros entre elas. Acredito ser necessário um questionamento sobre tudo que nos falam sobre os fatos, sobretudo quanto às realidades.
            Curioso pensar, que normalmente, as pessoas preferem as homenagens e críticas póstumas, considerando que só o ponto final confere a realidade de alguém ou de um acontecimento. Teme-se a mudança ou que qualquer realidade desabone ou destoa-se dos feitos ou fatos de que se fala. Ignora-se, assim, que o social e a humanidade estão em transformação, num processo contínuo.
            Buscamos as realidades objetivas, pois nos incomodam as subjetivas.    Nicolescu, em “O manifesto da transdiciplinaridade”, coloca que, quando a objetividade foi instituída como critério supremo da verdade, transformamos o sujeito em objeto. E dessa forma, a morte do homem é o preço do conhecimento objetivo.
            Não há uma realidade, mas inúmeras que, se não buscarmos conhecê-las, permanecerão escondidas ao limitarmo-nos apenas em saber o que nos contam.
            Damián Tabarovsky traz uma reflexão muito interessante em seu artigo publicado na última edição da Ilustríssima da FOLHA de SP sobre a revolução burguesa no início da crise argentina em 2001, quando a classe média saiu às ruas para bater panela reivindicando o dinheiro de suas poupanças. Pergunta-se o autor o que queriam e o que fariam com o dinheiro os garotos vestidos de surfistas e as mulheres que levam seus filhos para escolas particulares e pedem mais policiamento na cidade?
            Em meio às dúvidas, questiono também o que querem aqueles que, mesmo depois de dez anos, reproduzem o mesmo discurso sobre o ataque às torres gêmeas americanas?
            Entendo que os acontecimentos não sejam isolados no tempo, tão pouco onde ocorrem, mas consideremos além dos dados objetivos, suas subjetividades. Porque discorremos tanto dos quase três MIL mortos do ataque aos EUA e pouco falamos dos dois MILHÕES de seres humanos que morrem todos os dias de malária, AIDS e tuberculose?
            Até quando olharemos apenas para as reivindicações dos moradores do Morumbi por políticas de controle? Mais policiais? Mais grades de segurança? Mais praças iluminadas? Mais jardins enfeitados? Para que tudo isso enquanto milhares de pessoas morrem por tantas opressões, de raça, gênero, orientação sexual e, sobretudo, descaradamente e inescrupulosamente, pela opressão de classes? A mim, me parece que repetimos a insignificante lógica da história eurocêntrica que ensinamos às crianças na escola. Olhamos para a realidade com o olhar do outro.
            Florestan Fernandes, em “Mudanças Sociais no Brasil”, relata que a burguesia apropria-se do Estado e implanta até nos seus “inimigos” de classe a condição burguesa. Assim, até os moradores de Paraisópolis (Segunda maior favela de São Paulo, rodeada pelas nobres residências do Morumbi) acharão correto mais policiamento em torno dos casarões. Até a classe mais assolada concordará com a classe burguesa argentina que já havia tirado proveito dos motivos que levaram a crise econômica. Até os familiares de vítimas da malária, AIDS e tuberculose deixarão de falar sobre tais males para tratar do ataque à potência americana.

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